"O que ele é seu?", lhe perguntam sem notar o estado de choque em que se encontra; ignorando os cortes, machucados e a roupa de festa cheia de sangue.
"Nada", responde automaticamente, como treinara naqueles 457 dias para dizer. Nada, nada, nada... nada.
"Você se esforçou muito para ele ser nada seu". Concordava, mas o tempo que passou depois a fez idealizar aquele dia - não como havia acontecido!, apenas as palavras, os nadas. E seu sarcasmo lhe é tão automático quanto os sentimentos.
"Meus pais sempre disseram que possuo grande empatia".
"O que importa é que fizemos a análise de teor alcoolico. A senhorita não possui nenhum, e os níveis dele estão elevadíssimos_"
"Fui eu quem bateu o carro contra o dele. E não o contrário".
"Você, mesmo machucada, o carregou até aqui sozinha. Se o seu carro fosse_"
"Bem conheço as leis físicas, doutor, mas não importa aqui. O que importa, e o que vai para o boletim de ocorrência, é que eu sou a única culpada pelo acidente".
O doutor a deixa sozinha por uns instantes, alegando que vai cuidar também de seus ferimentos. Ela está sentada na cama ao lado da dele e não teve coragem ainda de olhá-lo. Encarou o dedo fraturado, o braço todo ensanguentado, sentiu o corte na cabeça, o sangue escorrendo um pouco pela face, o gosto de ferro na boca, as dores nas costelas e a injeção que o doutor lhe aplicava agora mesmo.
"Esse nada", começou o médico, "deve ser maior que o seu tudo".
Nada é sempre nada, pensa sozinha, e lembra dos 457 dias que passou repetindo isso. O nada é a única coisa que de fato sempre temos.
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