8 de setembro de 2023

 O quanto uma pessoa pode se machucar pelos próprios atos?

Era o que se perguntava quando digitou o nome na busca do Facebook. Artista. Atriz. Direção de peça. Texto por. Aparentemente a mulher tinha uma expertise que não ela não tinha, não entendia e tinha vários entraves de iniciar em.

Não só isso, a voz dentro de si sussurrava, pra incomodar mesmo. Ela tem muito mais. Tudo aquilo que você não tem. Nunca terá. As fotos no álbum aberto revelavam uma vida equilibrada, de alimentação e interesses, tudo o que também culminariam em brilho para os olhos dele. Como poderia competir com estabilidade e conhecimento?

E pondo que nem existia de fato uma competição.

Mas ela escolheu cavar mais, encontrar as primeiras interações e datas recuavam em muitos meses. Sereia. Deusa. Riu sozinha. Considerando o pouco que conhecia acerca dele, os elogios retomavam toda uma conceção de épicas gregas.

Apaixonou mais um pouquinho.

E deu mais um tanto, de novo.


4 de setembro de 2023

Relato de um sonho, by her.

 --... e aí você veio me perguntar_

-- O quê?

-- Calma, deixa eu terminar!

Ele deu um passo a mais em direção a ela, com os braços mais frouxos ao lado do corpo, divertindo-se com os dedos trêmulos dela. Ela estava nervosa. Nervosa porque estava falando com ele.

-- Você me perguntou se eu tinha lidos os textos.

Ele riu meio desleixado. Não por causa do conteúdo do sonho que interrompia a todo instante, numa tática barata de sedução; mas porque sabia que sorrir e rir a deixaria mais nervosa. Gostava da sensação de estar cercando sua presa.

--  E você tinha lido?

-- Não sei. Acho que não. Mas você estava alegre e me abraçou e eu perguntei se você estava bem e você_

-- Eu?

-- Tentou me beijar.

-- E no sonho eu consegui?

Ela só meneou a cabeça, de um lado para o outro, e sorriu infimamente.

-- Nem no sonho.

Houve uma brecha de discurso. Uma brecha que ele queria agarrar só pelo prazer de vê-la ficar ainda mais desestabilizada. Por causa dele. Perguntaria se na vida real ela o deixaria beijá-la.

Sim, certo?!

15 de junho de 2023

Ela gostou dele.

 -- Eu não te entendo. -- Ele ri, meio incrédulo, desacreditando que ela realmente o estava recusando. -- Tá eu e você aqui e eu tô te oferecendo o que você quer.

-- Você tá me oferecendo um beijo.

-- Posso te dar mais que um beijo.

--  Aí que tá. Eu quero mais que um beijo seu... entende?! Não é justo.

Ele se afasta para olhá-la melhor. A maquiagem densa sobre os olhos, estes que brilham para ele em alguma súplica que não pôde prever. Logo ele, que pré via tudo sobre elas.

-- O que é que não está justo pra você aqui?!

--  Pra você é só mais uma, mas aí pra mim eu não quero ser só mais uma.

--  E ainda faz poesia. Muito linda.

--  E ainda não torna a situação justa e eu... -- ela não consegue mais segurar o olhar para ele. -- E eu não quero sofrer de novo.

--  Sofrer? Achei que era sobre tesão.

--  Era. Foi sobre tesão. Lá, no começo. Mas aí... aí você foi ganhando um outro espaço, não sei se a temática das aulas, se você no seu ponto de expertise, mas foi. E não é só sobre tesão. Ou um beijo específico.

--  É sobre o quê, então?!

--  É sobre você idealizado por mim e eu te querer pra mim.

Ele se aproxima mais, segurando-a pelos ombros de modo que ela permita que os dedos masculinos escorram pelos braços.

--  Me conta como.

--  Quero ter sua atenção só para mim.

--  Você já tem grande parte da minha atenção para você.

--  O tempo todo. Quero ter as respostas certas para suas perguntas. Quero fazer as perguntas que você quer ouvir e aquelas outras que não pensou sobre. E aí falar com você. Ter você falando para mim.

--  Parece que você quer uma palestra minha, isso sim -- e ri, meio debochado.

--  Uma, duas, todas... Quero que você olhe para mim o tempo todo.

--  Você não quer mesmo só um beijo...

É uma constatação dolorida, para ela. Não era mais sobre um beijo (ou uma transa).

--  Eu queria que fosse sobre tantos outros beijos. E por isso, hoje, não pode acontecer.

7 de junho de 2023

 A minha vida é uma piada clichê de uma fanfiction bem má-ô-meno. Daquelas em que a menina de coque comendo maçã entra na Starbucks para pedir um latte e esbarra no amor da vida dela.

A diferença é que não teve coque, nem latte, nem Starbucks, nem amor da minha vida.

O que teve mesmo foi uma sala de aula com pessoas estranhas, ele lá na frente, e eu do outro lado. Foi como os poemas épicos, para fazer alusão a um dos livros que lerei por ele. Os poemas em que a voz de quem canta tais versos primeiro suplica às ninfas para que o inspirem.

A voz. dele.

A inteligência dele.

O quão ciente de si ele é e está ali, diante de todos. Todas.

Como disse, patética. A minha vida, não a dele.

3 de novembro de 2022

Mais um pouco de fardo

Eu preciso contar uma coisa, mas só entre você e eu, tudo bem?

Ó: não me apaixonei.

Achei que seria incrível, como me lançar numa piscina fria em pleno calor derradeiro. Como comer aquele prato, daquele restaurante que fomos apenas algumas vezes. Como quando pisei em Dublin pela primeira. Quando aportei em Londres pela primeira vez. Em Porto. Em Barcelona. Em Madrid.

E não foi.

Lá no fundo -- e nas bordas também --, achei que era para isso que eu tinha nascido. (Afinal, todo mundo nasce para alguma coisa, não é?!). Mas acho que nem é isso também. Lembra de quando eu te contava que achava que não tinha lugar no mundo para mim?

Pois é. Parece que não tem mesmo.

Parece que meu fardo é não explodir -- nem por dar aula, nem por estar com alunos, nem para tentar voltar a me envolver com escrita. Parece que enquanto alguns -- muitos, pelo o que tenho visto -- nasceram para algo, eu nasci para ser fardo. Daqueles desengonçados, pesados, desajeitados, que não cabem direito aqui e nem ali e nem em outro lugar, que vai ficando pelas beiradas e bordas com o que tem porque é o que tem.

Eu não queria ser o que tem, sabe?

Queria explodir.

Queria acordar feliz e sentir que faço algo incrível.

Mas todo dia eu acordo querendo continuar dormindo porque ali as coisas acontecem. No sonho, eu conheci a Coreia do Sul e estudo italiano em Madrid. Falo coreano, entendo de finanças e, ainda, conheço o Vettel -- e de quebra faço entrevista em inglês na Mercedes. No meu sonho, eu sou empregável para eles, tenho algumas coisas que eles querem.

Aqui... sabe, não tem nada.

Então, no fim, eu só queria mesmo te perguntar uma coisa:

   quando que acaba? 

22 de maio de 2022

Faz pouco mais de 6 meses

 Hoje faz pouco mais de 6 meses, pai.

Eu me lembro de que, quando voltei de Dublin, um medo constante me abateu: a certeza de que nossos anos juntos já não poderiam mais ser o suficiente. Queria eu que esse sentimento fosse por causa da dor da perda, da saudade imensa que se instalaria em mim e por causa da orfandade acometida. Mas o motivo foi pautado no egoísmo.

Tive medo de te perder naquela época porque sabia que eu não daria conta sozinha.

O seu respaldo, tanto financeiro como moral, sempre me deu força para não ligar, não precisar aprender, não ter que me importar. Você sempre estaria comigo para me dar o apoio, o abraço, e diria "filha, volta pra casa". Você nunca de fato disse essas palavras, mas você me apaziguava.

Hoje é esse dia em que eu queria ouvir de você que daria conta de tudo. Daria conta de resolver meu imposto de renda, o frete da geladeira para São Carlos, que ajudaria o moço a levá-la para o apto, que eu posso guardar todo e qualquer dinheiro que ganhar. Que eu posso ficar debaixo da sua asa mais uns anos, que eu vou pra Itália e vai dar tudo certo, que eu devo focar nos meus estudos e somente neles, que eu não preciso ter essas preocupações.

Eu não quero ser adulta, pai.

Não quero não ter mais dinheiro.

Não quero mais lutar por algo que eu não vejo.

Eu tô com medo constantemente e não posso mais me enfiar no seu colo, desabafar em tom de raiva que meu futuro é ruim.

Talvez se você tivesse ido mais precocemente ainda, eu até poderia ficar com raiva de você por ter nos deixado. E que pensamento imaturo esse o meu; mas às vezes é o que penso. Só que no hoje, com essa vida, com as minhas experiências, ainda bem que não tenho raiva da sua morte. Ela, por si só, já foi horrível o suficiente -- não há motivos para colocar mais coisa negativa atrelada ao fato. E eu sinto saudades de você, no plural, todo santo dia.

Queria que você tivesse me visto no meu primeiro dia de emprego contratada de verdade, e não só nos bicos malucos de escrever artigos e dar uma ou duas aulas de inglês. Queria que você tivesse assistido eu acordar todos esses dias às 5:30 da manhã para ir trabalhar, reclamar dos meus alunos enquanto, contraditoriamente, adoro estar com eles. Foi só isso que eu consegui fazer depois que você se foi.

Mas nem a mãe e nem o Ié podem me acalentar como você fazia. Você me dava a segurança do lar seguro, da vida segura, da dúvida segura. Eu podia duvidar o quanto quisesse porque você estava aqui, sabe? Eu podia postergar o quanto conseguisse porque você ainda estava segurando a minha mão.

E eu te amo. Muito. Quero poder vê-lo sempre, em sonhos, pensamentos, Amor.



30 de abril de 2020

As corona e tudo.


Não tinha nada lá fora.

Não tinha uns carro, não tinha umas gente,
não tinha os barulho tudo da cidade
que me dizia
- até quando eu não queria –
que a gente tudo tava acordado.

Não tinha os carros.
Não tinham as conversas.
Não tinha nada lá fora.

Tinha uma coroa, invisível,
que procurava cabeças a serem enfeitadas.
Caçava bem quieta quem em quantos premiaria.
Soava como loteria.
Da pior sorte para subir nesse mundo.

Agora tem carro, tem barulho, tem gente.
Gente que grita batendo no peito
que tem que abrí tudo.
Só que tem muito lá fora,
esperando a próxima vez;
não precisa de esforço nenhum
porque todos já pegaram a senha
para receber em nossas cabeças a coroa da vez.


(bruna vollet, 30/04/2020)

17 de outubro de 2019

Aleg(ro)ria









É meu numa outra forma

27 de junho de 2019

Eu preciso que você fique quieta por um segundo.
Só um segundo.
Porque você pensa alto demais e isso me atrapalha.
Tá atrapalhando o andar da minha vida
e o caminhar da única estabilidade que tinha até então.
Você pensando me sufoca e eu queria te mandar embora.

Mas não dá, né?

Você pensa demais.
Alto demais.
Por tempo demais.

Fica calada nesse restinho de ano, por favor.

Não aguento mais essas cascas de ovo que eu tenho pisado
-- e a pior parte é que existe uma mínima possibilidade
-- uma mínima chance
-- delas nem existirem.

Você me deixa paranoica;
criativa demais para cenários que nem deveriam entrar na minha mente.
Eu não quero ser o soneto de Moraes
e ver que a minha mão tá longe da dele.

Só que você pensa muito
e tudo o que você pensa desabada cada tijolo meu.

Só. Fica. Quieta.
(vollet.the, 27/06/2019, Brasil)

7 de dezembro de 2017

(Ireland, dec/2017)

Que coisa mais linda
Essa sua menina
De cachos soltos
E esse sorriso no rosto.

Que coisa mais linda
Sua pequena menina
De olhos marejados
E coração todo despedaçado.

Que coisa mais linda
Essa sua menina
Que pena que não brilha
Como sua lágrima cintila.

Que coisa mais linda
Essa tristeza íntima
Que a sua menina
Esconde de todos.



11 de julho de 2017

Olliver

- É muito estranho ter um amigo que você pode dar um google.

Essa é a sua frase gota de água para nosso copo extremamente cheio para a nossa relação. A ideia de que eu nunca te dou nada além do que todo mundo já sabe ou possa vir a saber sem nunca ter me encontrado pela frente te coloca uns dois passos atrás nisso. Você é diferente porque seu nome não está lá. Se estiver será na lista de aprovação da faculdade e no registro do Facebook (com suas próprias palavras), fora a busca cruzada com nomes de alguns familiares próximos.

Tão dramática.

Ou pelo menos assim por enquanto eu te acho porque, em verdade fria, não te conheço muito bem. Acredito em que em cada sentença sua dita muito rápido é para pontuar um certo humor e esconder uma certa verdade. É o que eu sei sobre você.

- A gente sai para jantar e eu_

- Você sabe que não posso jantar. Preciso trabalhar.

- Você trabalha muito.

- É isso o que as pessoas que precisam de dinheiro fazem para conseguir dinheiro.

- E você tá sempre falando que precisa de dinheiro! - Tiro a carteira do bolso e a abro na sua frente e antes mesmo de tocar as notas com os dedos vejo sua imagem recuar no limite do meu campo de visão.

- Esse é o seu problema. Isso não é mais importante para você e aí você acha que eu fico o quê?, disparando mensagens sublimares quanto a fazer você agir dessa maneira?

- Estou propondo uma solução para o seu problema - digo com um tom mais firme e alto enquanto volto a carteira para o bolso da calça.

E você começa a gesticular e falar tão alto quanto eu:

- Não é problema, é uma condição. Pessoas precisam de dinheiro o tempo todo. E pessoas ordinárias, normais, fora do deslumbre de um emprego que algum dia venha a pagar muito bem, precisam trabalhar para ter dinheiro, o mínimo que seja, mas precisam.

- Posso te arranjar um emprego melhor.

- Não quero um emprego melhor. Eu gosto do meu. Por hoje ele é suficiente. O que eu quero de você daqui para frente é que legitime minha condição.

Eu espero. Espero mesmo que você me dê as costas e vá embora, embarque em um avião qualquer e se aporte em outra cidade qualquer. Foi o que você fez com a sua família, por que não fará com alguém que conhece há poucas semanas?

- Estou aqui para mudanças, e se eu entrei na sua vida é porque você também precisa.

- Um café da manhã depois do seu turno então?

10 de julho de 2017

Se tu fossi nella mia anima un giorno

De olhos vidrados para um além que eu não via, sua imagem me assustou. De todas as pessoas, eu jamais apostaria em você. A reclusão. A ausência. A falta de informação. Não de você.

Besteira mesmo foi me ver naquela situação, meio ao desespero, meio à incredulidade, em que você, voluntariamente, se pôs e - pior! - não me incluiu.

- Estou exausta, é só isso.

O pijama amarrotado, uma meia de cada pé, os esmaltes dos dedos pelas metades e um brinco faltando na orelha. "Estava me incomodando", você me disse depois. Fazia anos que eu não via suas orelhas com um único brinco ausente. Fazia anos que você aportou nessa cidade e me tornou dependente dessa amizade - então, por favor, alimente meu vício.

- Você precisa descansar. Largar o pé e deixar que as coisas fluam um pouco sem você.

E de todas as pessoas no mundo, você era a última que eu achei que diria tais palavras. Você, a preguiçosa, a desleixada, a chorona pelos cantos porque o mundo não era bom o suficiente para sua falta de prática e vontade. Ah!, os lamentos sarcásticos com resquícios de uma mágoa mais profunda. Mas, ainda com os olhos apáticos, sem sorriso de brincadeira, sem tons irônicos e sem movimentar as mãos que estavam escondidas entre as pernas, você me deu a resposta. Precisava fazer, precisava fazer qualquer coisa, desde que o verbo se mantivesse e os predicados se seguissem pela cascata de peças de dominós.

- Estou exausta - você repetiu para mim, com um leve semblante menos petrificado e mais humano que a sua ânima lhe deu ao tocar meus dedos em seus joelhos, e o medo que me acometeu me fez desejar sua exaustão para os demais dias de nossas vidas desde que você estivesse viva o suficiente para então assim poder se sentir.

- Então se sinta assim, exausta.

15 de maio de 2017

(des)encontro marcado

Existe um desejo ruim ao ser expectadora de filmes: a projeção para a vida real às vezes é inevitável (Marvel e DC inclusas), e você também espera por aquele grande momento do roteiro em que as tensões são tantas que você será pulsionado para algo maior. E isso me faz pensar se cada conversa casualmente feita em mesas de almoços (por exemplo) é aquele ponto de mudança em que minha vida precisa para se tomar algumas decisões.
Não quero levantar a validação da expectativa de que a vida seja de alguma forma parecida com um enredo, mas pontuo o fato de, então, dar mais atenção e reflexão acerca das conversas casuais que surgem sem querer. Apesar do meu esforço em me mostrar interessada por aquilo que em nada me chama atenção, o exercício de realmente ter que prestar atenção para conseguir manter minha teimosia intacta e bater firme o pé diante da visão embaçado do outro faz-me ver-me quase inclinada a ceder e imaginar que aquele momento é o meu momento.
As palavras que precisava ouvir para tomar um rumo.
O discurso completo de um raciocínio mais amplo.
Mas, como disse, teimosia intacta em alicerce, penso, reflexiono, e não consigo crer nas minhas próprias vontades.


11 de maio de 2017

3º Ato - Ela.

(Foi um brilho
- de rápida propagação
e de igual finitude e vazão).

Sua não existência até ali
se fez presente
na sua presença
diante de mim.

Estava escondida
entre as coxias
na lástima de uma dúvida
- pura bobagem -
sobre se era assim a vida.

(Sua vida)

e se fez presente para mim.

Nas mãos estendidas
e a curiosidade acrescida
eu trouxe aos seus olhos outro
brilho:

de um outra visão
de um único respingo
para a imensidão
das tantas escolhas
postas em seu caminho.

Foi num brilho
- ríspido -
pura policromia,
que entregou a minha languidez
meu projeto de me sentir
em (sua) vida.

4 de maio de 2017

Girafas

Em algum momento algumas coisas precisam ser repensadas pelo simples motivo de que é impossível permanecer o mesmo conforme o ritmo é ditado por forças externas. Quando tais forças atingem a pele e transpassam para além de sua matéria é o exato momento em que as forças internas começam a borbulhar e se chocarem fortemente.
Física, podemos dizer.
Mas é importante notar que a irredutibilidade das certezas de um ser humano é uma premissa falsa. Dotados da capacidade de adaptação, nos adaptamos até a nós mesmos - porque sempre há algo nos cutucando, - e precisamos repensar; e a mais difícil decisão é não outra senão a percepção de que o que antes fazia sentido hoje não faz mais e é preciso deixar as verdades antigas de lado para as dúvidas de agora encontrarem um terreno fértil o suficiente para que algo seja capaz de crescer e criar raízes de novo.
Difícil, também, quando nos vemos apegados até mesmo às ervas daninhas do nosso jardim. 
Fez sentido há cinco anos e hoje não faz mais tanto sentido. Fez sentido aos 18 anos e hoje não tem nem sentido e nem direção. Há dois anos, um, meses, dias, horas... A mudança é cíclica quando jovem.
A mudança incomoda mesmo que ainda seja jovem.

(From: Google Images)

4 de abril de 2017

O dia em que a pomba entrou em casa

O primeiro dia de aula diferente e fora das órbitas normais da minha vida se iniciou e todos estavam ansiosos: papai, mamãe, namorado e eu. Nascida, criada e acostumada com a dinâmica de uma cidade de interior, essa foi a primeira vez em que me aventurei em terras paulistanas e pelas linhas azul e vermelha dos metrôs.

O fato, claro, foi antecedido de grande pico de adrenalina e frustração uma vez em que meu celular não despertou e em menos de 8 minutos tive de trocar de roupa, escovar os dentes, ignorar um café da manhã e qualquer questionamento sobre a qualidade do cabelo amanhecido - e algumas leis de trânsito também

Tudo certo, tudo muito certo.

Às 16:30h estava já dentro do carro dos meus pais tentando tagarelar sobre a explosão de animação diante da nova aula, a ansiedade patológica diante de pessoas novas e necessidade de me socializar, mas o cansaço me pegara - e minha amiga passaria em casa para me buscar para nosso café em breve, muito em breve.

Minha mãe deixou ao meu pai e a mim em casa e saiu. Meu pai me disse que iria na padaria e já voltava. E eu fiquei ali, no aguardo da carona.

Mariana - acompanhada de outra Mariana - apareceu no horário e no horário também surgiu uma pomba.

Uma pomba.

Robusta, cinza e sem qualquer medo de mim (e a recíproca estava longe de ser verdadeira).
Fazia cinco minutos que meu pai tinha saído e um que minhas amigas estavam me esperando dentro do carro sem entender porque eu não abria o portão e saia de uma vez. Acontece que o ser alado diante de mim bateu as asas e veio em minha direção e eu, rápida e sabiamente, me joguei contra a parede e observei a cagada da escolha feita por mim com o bater das asas da pomba para dentro da sala de casa.

Veja: o portão de casa é de grades; a área da casa tem a porta da sala e do quintal (que estava fechada). Qualquer outro lugar que eu tivesse me jogado, a pomba se debateria pelas paredes e conseguiria, em algum momento, sair pelas grades do portão. Obviamente que as coisas não acontecem da melhor forma possível quando você está atrasado.

Tentei gritar para as minhas Marianas que tive um pequeno contra-tempo na saída, mas achei viável lidar com a situação e não perder mais tempo com aquele animal. Corri para dentro da sala na esperança de persuadir a pomba e voar de volta pela porta certa e ir embora para eu conseguir sair com as meninas e meu pai poder chegar em casa sem perceber qualquer movimentação estranha.

Decisões erradas tomadas nessa estratégia à parte, a pomba acabou por ficar presa atrás do imenso sofá.

Decidi enfim noticiar o fato para as meninas: abri o portão (o de casa é na chave mesmo) e fui até o carro quando vi meu pai se aproximar, feliz, calma e assertivo, com a sacolinha na mão, contente por ter conseguido encontrar o leite tipo A de que ele gosta e, pouco a pouco, suas expressões foram murchando e abrindo espaço para outras: primeiro veio a Dúvida de me ver do lado de fora do carro, apoiada sobre o vidro e o portão ainda aberto, depois o Receio ao me ver sorrindo para ele já com os braços abertos para uma recepção falsamente calorosa e, então, a Decepção ao meu ouvir dizer:

- Então, tem uma pomba na sala.

"Você acabou de chegar e te deixei sozinha por 5 minutos. Qualé o teu problema?!"

Entrei no carro e ainda pude observar papai parado diante do portão aberto olhando para dentro de casa.

17 de fevereiro de 2017

O Gato de Schrödinger

Vou dizer que a ciclicidade do tempo é arrebatadora, mesmo que previsível - e eu já escrevi esse texto algumas vezes nos últimos 8 anos: é muito difícil conseguir perceber qualquer atitude do mundo externo quando o interno tem se mostrado muito capacitado em aumentar vazios e modificar espaços. Existem maiores arrependimentos que o "e se": é ele somado à escolha errada. Eu não sei - vou continuar a dizer; eu não sei - vou insistir para você, porque a verdade é essa: eu realmente não sei. Perdoe-me se antes eu fui eloquente e conseguia conduzir nossa hora de forma clara e cheia de reflexões e sinceridades mais otimistas, mas agora não consigo.
Como posso elucidar em voz alta algo que nem em pensamento está fomentado? E quando eu tento - porque eu juro que tento - nada se organiza, o caos se estabelece maior ainda e somem-se as cartas nesse vento todo. E tem ventado muito aqui.
Queria poder pôr em poema, poesia, linhas quebradas para encontrar o mais profundo predicado para esse verbo que me encontro - mas, confesso, as perspectivas no momento não são das melhores e têm levado embora até o "gosto e faço". Desculpe pelo clichê da geração, eu mesma que quis fugir e me ver única estrela caio entre os meados no mais fácil - e esse medo me acerca de forma grande: optar pelo mais fácil.
Mas eu quero ser feliz - mas ser feliz não diz respeito a fazer o que se gosta; no entanto, você precisa abrir esses olhos e compreender que quando em nada lhe dá a faísca para enfim enfrentar o que não se gosta quer dizer que não há felicidade de forma alguma. Não há qualquer estado de felicidade nesse caos e o que é a busca por ela senão necessária para nomear o Medo e o Caos? E agora em letras maiúsculas porque se personificaram entre uma linha e outra.
Vou continuar a bravejar contra o divino para que ele ceda às minhas argumentações e entenda, de uma vez por todas, que essa cruz está mal ajeitada em minhas costas e ombros e eles literalmente doem. Minha vista tem brilhado algumas vezes por dia e, digo, é bonito - se possível.



25 de janeiro de 2017

Saudade de casa?

Sei que era para ser uma pergunta de fácil resposta, mas é tão dúbia quanto a oportunidade. Se por "casa" você se refere ao estabelecimento em que moro agora, não, não sinto saudades. Mas se tiver qualquer resquício de "lar"... O lar fica longe. Longe - ali onde meus pais moram sob a construção física do único lugar em que conheci até a idade adulta, e com as únicas pessoas que sempre estiveram comigo desde o meu nascimento.
E antes dele - além de mim mesma.
Mas, por favor, não adentremos em tais assuntos. Deixo-o com o benefício da dúvida e eu com a amargura da duplicidade da resposta.

20 de janeiro de 2017

e de Austen não houve nada

Direciono você, querida,
para além de nós dois, postos dentro desse limite específico - e físico -, querendo na verdade borrar-nos para depois da margem e não ficarmos presos à ela. Quem dera eu poder te levar para depois de nossos seres, poder te ver crescer, expandir e ocupar toda a dimensão não linear, etérea, de nossos corpos, ver as ramificações incessantes e incontroláveis de sua mente e poder, uma única vez que me deixasse, te ver criar.

Vejo por dentro do seus olhos que a todo instante tem um fio de pensamento que se desmembra em ideia e então cada fio e cada pena se juntam e se recriam em combinações infinitas envolta do mesmo cerne. Não há pergunta sobre "o que". São tantas coisas, tantas imagens, tantas sensações que são espelhadas nas íris de seus olhos que me pego pensando se algum dia realmente suas ideias já foram transmitidas por elas.

(Ou se chegam até ali e refletem-se para dentro de seu cérebro, em todas as constatações fisiológicas que devo assumir, em todas as faíscas de pensamentos que você me faz assumir - mas não me permite realmente conhecer).


I want to trip inside your head 

Spend the day there… 
To hear the things you haven’t said 
And see what you might see
- Miracle Drug,U2 -