23 de setembro de 2009

as it should always be

Ela era o exemplo de pessoa que simplesmente cativava. Ela não era a mais bonita e nem a mais simpática, na verdade, era bem ácida. Mas ela possuía aquilo que todos procuram por: amizade.
A quem estivesse disposto ser sociável com ela, ela oferecia sua companhia, sua amizade, sua paixão. E não raras as vezes que se ouvia ela gritar que se apaixonava por todos, mas diferente daquelas paixões latentes. Sem dor. Sem sofrimento. Apenas complemento.
Anita era assim. Simplesmente assim. Uma menina que possuía muitos conhecidos e milhares de amigos, que vivia em festas, em tequilas, em conversas, entre pessoas. Uma menina que cativa.
Eu a conheci em meio ao acaso. Já tivera o prazer de me encontrar com ela antes de descobri que ela cativava e que era querida por muitos. Já tivera o prazer de ser seu acompanhante nas noites solitárias, de vê-la antes de se transformar na mulher que gostava de provocar e que pouco lhe interessava uma transa ou um beijo qualquer.
Conheci-a quando não bebia, quando não saia, quando não sabia ao certo se queria mudar de vida. Conheci-a antes dela descobrir que era de fato bonita, que era uma boa companhia e que não precisava ser num todo tímida.
Eu era sua companhia de algumas festas. Eu era seu telefonema de final de tarde. Eu era sua paixão... a latente. A que dói. A que sofre. E ela nunca me disse isso.
Quando dei por mim, estávamos separados, brigados, ambos repletos de feridas. Mas eu sabia controlar. Sabia simplesmente ignorar. E nunca mais nos falamos. Nunca mais nos vimos. Nunca mais beijei sua boca.
Era a época de rodeio de Barretos. Eu, como peão de filosofia, ansiei por este momento todos os dias. Os rodeios que aconteciam nas localidades eram bons, mas nada se compara a grandeza de Barretos. Nada é menos que isso perto do Tudo de Barretos.
Meus amigos e eu chegamos lá no último final de semana do rodeio, afinal, nós tínhamos de trabalhar. E foi naquela sexta-feira de madrugada que algo simplesmente me chamou atenção.
Uma nova paixão.
Dela.
Ele era filho de um dos fazendeiros tradicionais da região e amigo de uns três amigos meu. Estávamos hospedados na fazenda dele e, no meio do show, no meio das minhas cantadas, das minhas investidas, das minhas meninas, ouvi.
- Lá está ela.
Eu parei de olhar para a linda menina que estava conversando para olhar a direção que o dedo dele apontava. Não é nada educado, mas no meio de tanta gente, um dedo apontando alguma coisa é absolutamente nada.
Não havia nada para ser visto além de muitas pessoas. A arena estava lotada, o show emoldurava a todos, porém, alguém se destacava – para os olhos de Tiago, para os olhos do mundo.
Uma moça, de cabelos cacheados, calça jeans, camisete branca, chapéu. Cantando, pulando no meio das pessoas. Uma moça, com um copo de etílico na mão, cantando, pulando no meio das pessoas. Uma moça, de sorriso preso ao rosto, com um rapaz entrelaçado a sua cintura, com um copo etílico na mão, cantando, pulando no meio das pessoas.
Ela olhou na nossa direção. Olhou, abriu ainda mais seu sorriso, levou a mão até a boca e mandou um beijo.
Rodrigo, meu primo, olhou bem a moça e depois olhou para mim. Eu não reconhecia, mal enxergava, mas Rodrigo a conhecia.
- É a Anita, não é?! – Os olhos de Rodrigo estavam prostrados em mim.
- Você conhece? – Tiago abriu um largo sorriso, vitorioso, e eu senti que a resposta de Rodrigo seria verossímil.
- De vista.
Rodrigo não ficou a vontade com aquela resposta, eu podia sentir, afinal, crescemos juntos, éramos melhores amigos. Eu conhecia meu primo. Rodrigo estava escondendo algo, mas se assim ele o queria fazer, não seria eu quem indagaria.
Tiago abriu seu discurso sobre a menina. A moça. O anjo. Falou da sua energia, da sua disposição, da boa vontade. De seu sarcasmo, de seu ego, de sua beleza. Inteligência, irmão, pai, mãe, amigos, filosofias de vida.
Sem muito pensar, eu disse para ele conversar com ela se ela era tudo aquilo. Olhei de volta para a direção que Tiago havia apontado e não vi mais a moça. As pessoas de antes continuavam ali, mas ela sumira.
- Hei, purguinha!
Espantei com a voz animadíssima de Rodrigo e, quando dei meia volta para saber o que acontecia, encontrei-o entretido em um longo abraço com uma moça.
A moça.
- Perdeu meu número, é?! – Ela disse.
Ela disse.
Ela falou.
Ela sorriu.
Era Anita.
Sim, não havia dúvidas que era a Anita.
A mesma que havia me dado um tapa na cara em um momento impulsivo. A mesma que me encantara rapidamente e me desencantara na mesma velocidade. A mesma que me deixara confuso por alguns meses.
- É a senhorita que troca de celular e número e não avisa ninguém!
Rodrigo conversava com ela como se fossem íntimos, e eu estranhei. Meu primo jamais mencionara ela.
- Uai... eu não te avisei?!
- Nem a ele e nem a mim.
Tiago se pôs no meio da conversa e ela pulou nos braços dele, abraçando-o da mesma maneira que fizera com Rodrigo.
Anita em Barretos.
Havia algo estranho. Ela não gostava de rodeios, seu pai jamais permitiria – e nem seu irmão!
- Oi, Eduardo. – Ela me disse logo em seguida em que se desprendera dos braços de Tiago. – Tudo bem com você?
Ela ainda estava a mesma, mas diferente. Algo nela não batia com a Anita que eu conhecia. Respondi que estava bem e, por educação, perguntei o que estava fazendo. Notei um leve sorriso em Tiago quando fiz a pergunta, como se gostasse de ouvir a resposta.
Contou que estava fazendo faculdade, que estava feliz e que se apaixonava pelo curso a cada aula.
- Cadê a Anita, cacete?!
A voz não viera de ninguém que eu conhecia, mas de um cara que estava atrás de mim, e, de repente, várias mãos apontaram apara nossa direção. Ela me deu um beijo no rosto e foi saltitante em direção ao grupo de rapazes que a chamara.
Olhei apreensivo para Rodrigo, afim de que me explicasse aquilo. Ou me esclarecesse seu surgimento, ou que ficasse quieto.
- De vista?!
Tiago começou a perguntar mais e mais da moça, mais e mais...
- Fica calmo, Ti. – Falou Rodrigo, sorridente, dando um tapa no ombro do amigo. – Todo mundo, um dia, se apaixona por ela.
- Mas eu não a vejo com ninguém. Ela namora? É comprometida? Ela não fala sobre isso.
- Não, ela não namora. Ela simplesmente não se apega. Ela gosta de ter amigos e não ficantes, paqueras ou namorados.
- Espera aí! – Intercedi. – Como você sabe essas coisas sobre ela?
Rodrigo olhou para cima e passou a mão no rosto.
- Você é amigo dela?
- Calma, Du... calma. – Ele me pediu. Sim, eu estava nervoso.
- Você foi o primeiro a me dizer que ela não prestava e que estava errada_
- Eu sei, ok?! Mas eu acabei me envolvendo com ela também_
- O quê?! – Foi Tiago quem ergueu a voz.
- Hey, Calma vocês dois. Primeiro, não se envolver como aconteceu entre você e ela, Du, e nem de nenhuma outra forma. Se envolver de ser amigo. É, Tiago, o Eduardo é ex dela. O único, aliás. – Emendou assim que Tiago já estava a erguer o punho para mim. – Quando você nos apresentou a Anita, o Rafa e eu a achamos demais. Alegre e interativa, e quando ela começou a sair com você junto de nós, fomos ficando próximos. Quando as coisas entre vocês acabaram mal, procurei ela para saber o que havia acontecido da parte dela, e ficamos mais próximos. Somos bons amigos_
- Vocês saem juntos? – Perguntei, sentindo-me traído.
- Não. A gente se encontra na balada às vezes_
- Quando eu tô junto?
- É... quer dizer, mais ou menos. Ela sabe que você não a perdôo e, mesmo com a insistência minha e do Rafa, ela prefere apenas no encontrar na balada quando você está junto. Mas quando tem balada que você não gosta, ela vai com a gente.
- E você nunca me contou isso por quê?
- Porque você não a perdôo e você não conhece a Anita como a gente conhece. Aposto que aconteceu mais ou menos isso com você, Tiago. Você a conheceu por meio de seus amigos e se apaixonou por ela porque ela é elétrica e simpática.
A conversa continuou. Rodrigo contou que ela crescera muito depois do nosso rompimento e que não era a mesma menina. Contou que ela não estava mais interessada em estar com alguém, que diversão era seu lema e fazer amigos era outro. Ele sabia que ela estaria em Barretos, sabia da vida completa dela e de suas teorias. Contou que às vezes gostava de passar algumas noites na casa dos meus primos e que era uma das melhores amigas de minha prima.
- Anita será uma das madrinhas quando a Dani casar – segredou Rodrigo. – E junto de você.
Eu estava atordoado. Tiago e Rodrigo começaram teorizar sobre a garota, sobre o que ela representava... e eu pouco ouvi. Pouco me importava. Olhei de volta por onde ela desaparecera e nada vi.
Mal sabia eu que, naquele rodeio, naqueles três dias de festa, o que mais eu ouviria seria sobre Anita. As historias dela por ali, seus feitos por aqui, suas piadas, seu comportamento duvidoso.
Mais tarde descobriria que ela ficara por dois meses com Rafael, meu primo e irmão de Rodrigo, mas ele não agüentou a falta de interesse dela, não aguentou seu jeito de apenas não se importar, e decidiu por serem apenas bons amigos. E também descobriria que ela era uma das melhores amigas da namorada do meu melhor amigo. Que minha irmã de apenas treze anos adorava acompanhar o blog dela e um dia a conheceu, sem querer, na loja de nossa mãe. Que ela havia conquistado todos os meus amigos, que era amada por mais da metade deles e era sonho de consumo da outra metade.
Descobriria que ela ia a festas de segunda a segunda, que não tinha ficado com outra pessoa senão meu primo depois de mim.
E que me amava.
E que pensava em mim.
E que me protegia com unhas e dentes quando diziam algo sobre mim.
E que não deixava que ninguém dissesse um a torto em relação a mim perto dela.
E que não queria se apaixonar ou amar outra pessoa por medo de sentir tudo o que sentira por mim e, desta forma, eu perdesse meu espaço dentro dela. A minha importância em sua vida.
Na volta de Barretos, depois de mais de duas semanas, numa tarde sem aviso prévio, eu fui até a casa dos meus primos. E eu a encontrei lá, de pantufas, sentada no meio dos dois no sofá, comendo pipoca e falando algo engraçado em relação ao filme. Minha tia estava rindo, Rafael tapando a risada com uma almofada e Rodrigo e ela rindo sem pudor algum.
- Mas é verdade – ela tentou dizer.
As nossas diferenças não foram desaparecendo aos poucos. Não. Foi necessária muita coragem da parte dela, para se dizer a verdade.
Foi no meio de uma balada em que uma dupla sertaneja estava tocando. Eu só gosto de sertanejo. O motivo da discussão eu não lembro, mas batemos boca. Chamei-a de arrogante, prepotente e mentirosa. E ela me chamou de ignorante e deturpador de fatos. Eu me senti superior por consegui-la ofender mais do que a mim.
- O seu problema, Eduardo, é que você não entende nada de comunicação e acha me ofende me chamando dessas coisas. Mas você não entende a essência, as entrelinhas. Não sabe compreender nada senão estiver tudo bem diante dos seus olhos.
Seus olhos estavam repletos de lágrimas. Mas nada caiu deles.
- Você se acha superior, já esqueceu o que é humildade. Você é ruim, Anita.
- Você não sabe de nada! Se recusa a saber. Para você humildade e simplicidade andam juntas, mas vou te contar um segredo: não andam!
A discussão foi longe. Nos xingamos, quase nos batemos, gritamos. Até ela segurar nos meus braços, e, com muito esforço, olhar dentro dos meus olhos.
- Pára com isso! Pára de achar que isso é entre a gente. Qual é? É porque seus primos gostam de mim? Porque seus amigos são os meus também? Ou quê?!
- Você é uma farsa! Uma mentirosa. Quem você é? Eu escuto as pessoas falarem de você e parece que falam de outra pessoa_
- Eu mudei, ok?!
- Ninguém muda tão drasticamente.
- Eu precisei mudar para não ficar chorando por você por quinze meses!
- Ah!, agora quem você se tornou é culpa minha?!
- Não. É graças a você. É bem diferente.
- Quem é você, Anita?
Eu não estava mais gritando. Não queria mais. Havia uma lágrima escapando do poder dela, da segurança dela. Havia algo muito profundo naquela gota que riscava seu rosto.
- Essa Anita é a Anita que sobreviveu depois de você, Eduardo.
- Você fala como se eu tivesse sido importante para você.
- E você foi! E você é! Mesmo longe de você, eu me preocupei. Eu...
A voz dela ficou falha.
- Você o quê?
- Eu te amo, Du.
Era a primeira vez que ela me dizia aquilo olhando dentro dos meus olhos.
- Eu não confio mais em você.
- E não tô pedindo para você me amar, gostar e ou ficar comigo. Estou pedindo apenas para que deixe eu te mostrar que eu posso ser uma boa amiga para você.


Ela não era a mais bonita. Nem a mais simpática. Ela era apenas o exemplo de pessoa que cativa e quer agir sob a responsabilidade de ter cativado alguém.
Eu permiti que ela mostrasse a mim quem era, e, assim, entre um copo de chope, uma ligação sem segundas intenções, uma saída com os amigos, um rodeio ao lado dela, uma subida ao palco de uma dupla famosa, uma garrafa de tequila que ela conseguiu gratuitamente, a primeira visita a minha casa e a casa dela, um filme assistido debaixo do mesmo cobertor, risadas de piadas internas, uma madrugada de festa perdida porque ambos passaram mal e ficamos cuidando um do outro, ela se tornou minha melhor amiga.
Hoje estou me casando e é ela quem está ao meu lado. Como minha primeira madrinha e testemunha. Ela ainda não sabe, mas minha esposa está grávida, e a Anita será a madrinha.


Ela apenas cativa.

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