"Sonhei os sonhos todos
imaginando o céu
e dele fui prisioneiro
em cela de papel."¹
Foi naquela madrugada ímpar que as coisas ficaram mais claras.
Sabia que estava sonhando, sabia que estava dormindo, mas estava tão acordado quanto há cinco minutos e tão ciente de que sua colcha escorregava pela lateral da cama. Havia uma tênue linha que o deixava imerso em sonhos e, ainda, ligado à realidade, não permitindo que sua consciência desligasse totalmente para descansar.
Assim passava todas as noites desde... bem, não se lembrava. Há tanto que seu corpo vivia pesado e sua cabeça alertava que não agüentaria. Todos os sinais claros: irritação, mau-humor, quietude, afastamento - tudo tão claro quanto o turvo de um pedaço de sonho. A clareza em si não era algo de relevância contestável. A imparcialidade com que ia sobrevivendo era maior, o grande incômodo. Sabia de sua necessidade física, mas a ignorava.
Não conseguia cortar a linha, não sabia nem por onde estava o seu sustento. Mas algo em si estava em paz, estava isento daquela preocupação. Algo inominável. Algo que nunca variava. As tantas noites em claro e escuro desligava um ponto importante. Algo que nunca se dissiparia.
No entanto, eram os sonhos que mais pesavam. O descaso com sua presença até na imaginação de sua mente, a constante presença daquela figura tida como erudita. E sempre o rosto virado, o não olhar longe - o quão de papel tudo aquilo parecia.
A pressa em dormir foi deslocada em pressa para deitar à cama, em abrir o livro e cansar as pálpebras. Mas nunca conseguiria desligar, não enquanto algo estivesse roubando as energias para se recompor - esse de extrema importância, podendo desequilibrar todo um corpo e sonhos, conseguindo toda a atenção que uma noite bem dormida resulta.
Nem à tarde, nem à noite, nem de manhã. A prisão de um ser, tão de papel quanto de aço - metaforicamente dramático como deve soar
.
1 espelho meu, papas na língua
Título: Abit Onus: peso acaba (pelo menos eu acho)
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