"Eu estou para ver", ele me dizia, "quem é que poderia fazer essa menina se prender". Ele era grande, atlético. Cabelos raspados há um mês, barba a crescer. "Não que ela seja de sair beijando todo mundo ou por não conseguir ser fiel. Eu acho, na verdade, que ela sempre foi fiel. Fiel demais, aliás. Consigo mesma. E isso a impediu de ter alguém".
Ele tinha o dom para descrevê-la de forma a não limitá-la. Só engrandecer.
"O que ela não entende ela repulsa, ignora, deixa de lado. Era assim que ela agia. E ela não entendia coisas como amor, paixão... ela simplesmente não conseguia ver a beleza de se doar por alguém sem querer nada de volta. Aliás, é nisto que consiste a não compreensão dela. Doar seria como perder uma parte de si e como ficar feliz em perder um pouco de si e o outro não devolver ou preencher com mesma proporção?"
Eu sabia aonde ele chegaria. Chegaria a mim. Quatro meses da vida dela. Mas o que seriam quatro meses diante dos duzentos e vinte e quatro que ela já vivera?
"Eu convivi com ela há mais de quatro anos e posso afirmar sem ter medo que o tempo que ela passou com você foi o mais conturbador. Eu sei você deve se perguntar por que diabos ela continuou já que não entendia e pá... é a experiência, sabe? Fio algo novo para ela, totalmente contrário ao que ela esperava. Por isso de ser conturbador."
Ele respirou fundo e esquivou seus olhos verdes-prateados de mim. Tinha a quadra de tênis atrás de nós, onde, creio eu, ela treinava todos os dias. Tinha o Sol queimando nossas costas expostas e a piscina semi-olímpica em que ela nadava para ajudar na recuperação dos joelhos.
A verdade era aquela: eu estava procurando por respostas que não deveriam chegar a mim. Estava procurando algum resquício de verdade em tudo aquilo que vivemos... quando ela estava viva.
"Eu só posso dizer que ela te amou. E muito. Nunca vi aquela menina daquele jeito por alguém. Você a fez produzir os pensamentos mais complexos, atingir seu ápice de ser pensante, como ela mesma um dia me disse. Mas, assim como você disse que não era o cara certo para ela, ela não era a pessoa certa para você. Você, por não conseguir largar essa vida libertina, ela, por não conseguir largar seus princípios. Agora eu pergunto a você: você teria aguentado escutar todos os pensamentos dela e ajudado-a a iluminar os caminhos certos?!"
Eu, pelo carnal. Ela, pela iluminação. Éramos lindos juntos.
Ele colocou as mãos nos meus ombros e fincou seu olhar no meu. Que ela me amava, eu sabia. Que eu era uma contradição para ela, também. Mas senti que o que se seguiria seria mais revelador.
"Agora é hora de superar. Assim como eu superei que ela queria a você e não a mim".
Uma historinha que saiu de mim no ônibus
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita, deixe seu comentário :D