Era calor. Era tarde. E nem chovia. Horário de verão tem dessas, de ser tarde e ter Sol, mas o verão traz chuva e nem chovia. Para ela tanto fazia, se chovia, se fazia Sol, se teria o arco-íris para ver lá no quintal da sua casa. Ela tem dessas também, de não se importar - não por desprezo ou esquecimento, é um simples
não se importar.
Caminhou mais um pouco, ajeitou o
phone no ouvido (
You´re amazing just the way you are*), escolheu a jujuba cor-de-rosa e comeu. Do outro lado da rua, de carro, ele passou. Ela viu, claro que viu. Seu coração ainda acelerava só de olhar aquele carro sujo de terra passar. Talvez isso perdurasse por muito tempo ainda, como já vinha acontecendo.
Mas mágoa é mágoa e foi o que sentiu logo em seguida. Escolheu a jujuba branca, porque esta sempre tem um gosto amargo, como a amarela.
You´re not so that amazing. Já fazia tempo, tempo o suficiente para um punhado de coisas ocorrerem. A faculdade, sua e dele, a estadia fora do país, um outro namorado, uns outros caras, uns outros livros, outras músicas. Outros. Outros. Outras caras.
Nem fazia tanto Sol. Nem era tão tarde.
When I see your face there is no thing I would change*. Seu destino não era estar ao lado dele, nunca o fora. Momentos diferentes. Sempre viverão momentos diferentes. E ela tinha aquilo, aquele estranho
quê de perder o interesse. O estranho
quê de querer mudar. E ela mudou.
Lembra-se bem: mudou o jeito de pensar, o modo de encarar a vida, a faculdade, o curso, seu rumo. Mudou a cor do cabelo, o estilo das maquiagens, suas roupas, suas músicas, seus caras. Ele não gostava de mudanças. Mas ela mudou.
Mudou de cidade, de país, de amigos e até mesmo de pais. Mudou de cachorro, para gato, passarinho e um peixe. A liberdade dela era essa, a sua estranha necessidade de, de repente, mudar. Como estar com alguém que não gostava disso? Não precisava ter de mudar junto, apenas dar o apoio ou o sorriso. Ele nunca entendeu a liberdade dela, a cabeça dela e coração dela.
Da jujuba vermelha e azul ela gostava, pegou as duas e comeu. Papolas de Morfeu, pensava todas as vezes. Um sonho. Sonhos mudam. Ela gostava de sonhos e pegou uns três de uma vez, para poder mudar a ordem, o curso, o final. Escolheu o sonho de ser feliz em si mesma. O sonho de sorrir na sua simplicidade. E o sonho de ser coerente em sua ações, dizeres e pensamentos. Coerência sempre foi essencial. Linhas de raciocínio. Verdades. Sinceridade.
Ele passou de novo e ela não olhou. Não deu tempo - havia uma jujuba cor-de-rosa saltando aos olhos. Caminhou mais um pouco; arrumou a bolsa, refez o rabo-de-cavalo na cabeça e sorriu para uma senhoria conhecida. Sorriu para o senhor que não conhecia e sorriu para o Sol que se punha.
Este gostava de mudanças. Era livre como ela e precisava disso.
Este não acelerava seu coração. Não lhe importava como era o seu carro e jamais a faria virar a cabeça para o lado. Mas eles eram livres, os dois, ele e ela, e ela poderia partir, ir embora, quando quisesse.
E era o que ela estava fazendo.
*
Just The Way You Are - Bruno Mars