O primeiro dia de aula diferente e fora das órbitas normais da minha vida se iniciou e todos estavam ansiosos: papai, mamãe, namorado e eu. Nascida, criada e acostumada com a dinâmica de uma cidade de interior, essa foi a primeira vez em que me aventurei em terras paulistanas e pelas linhas azul e vermelha dos metrôs.
O fato, claro, foi antecedido de grande pico de adrenalina e frustração uma vez em que meu celular não despertou e em menos de 8 minutos tive de trocar de roupa, escovar os dentes, ignorar um café da manhã e qualquer questionamento sobre a qualidade do cabelo amanhecido -- e algumas leis de trânsito também.
Tudo certo, tudo muito certo.
Às 16:30h estava já dentro do carro dos meus pais, de volta para casa no interior, tentando tagarelar sobre a explosão de animação diante da nova aula, a ansiedade patológica diante de pessoas novas e da necessidade de me socializar, mas o cansaço me pegara -- e minha amiga passaria em casa para me buscar para nosso café em breve,
muito em breve.
Minha mãe deixou a mim e ao meu pai em casa e saiu. Meu pai me disse que iria na padaria e já voltaria. E eu fiquei ali, no aguardo da carona.
Mariana -- acompanhada de outra Mariana -- apareceu no horário e no horário também surgiu uma pomba.
Uma pomba.
Robusta, cinza e sem qualquer medo de mim (e a recíproca estava longe de ser verdadeira).
Fazia cinco minutos que meu pai tinha saído e um que minhas amigas estavam me esperando dentro do carro sem entender por que eu não abria o portão e saia de uma vez. Acontece que o ser alado diante de mim bateu as asas e veio em minha direção e eu, rápida e sabiamente, me joguei contra a parede e observei a cagada da escolha feita por mim com o bater das asas da pomba para dentro da sala de casa.
Veja: o portão de casa é de grades; a garagem da casa tem a porta da sala e do quintal (que estava fechada). Qualquer outro lugar que eu tivesse me jogado, a pomba se debateria pelas paredes e conseguiria, em algum momento, sair pelas grades do portão. Obviamente que as coisas não acontecem da melhor forma possível quando você está atrasado.
Tentei gritar para as minhas Marianas que tive um pequeno contratempo na saída, mas achei viável lidar com a situação e não perder mais tempo com aquele animal. Corri para dentro da sala na esperança de persuadir a pomba a voar de volta pela porta certa e ir embora para eu conseguir sair com as meninas e meu pai poder chegar em casa sem perceber qualquer movimentação estranha.
Decisões erradas tomadas nessa estratégia à parte, a pomba acabou por ficar presa atrás do imenso sofá.
Decidi enfim noticiar o fato para as meninas: abri o portão (o de casa é na chave mesmo) e fui até o carro quando vi meu pai se aproximar, feliz, calmo e assertivo, com a sacolinha na mão, contente por ter conseguido encontrar o leite tipo A de que ele gosta e, pouco a pouco, suas expressões foram murchando e abrindo espaço para outras: primeiro veio a Dúvida de me ver do lado de fora do carro, apoiada sobre o vidro e o portão ainda aberto, depois o Receio ao me ver sorrindo para ele já com os braços abertos para uma recepção falsamente calorosa e, então, a Decepção ao meu ouvir dizer:
- Então, tem uma pomba na sala.
"
Você acabou de chegar e te deixei sozinha por 5 minutos. Qualé o teu problema?!"
Entrei no carro e ainda pude observar papai parado diante do portão aberto olhando para dentro de casa.