26 de abril de 2008

Tango à Noite

Já era tarde - muito tarde - e eu ainda não havia dormido. Havia tentado, mas não conseguido. Um fato ignóbil para os outros, mas, para mim, uma ânsia. Há tempos que eu não dormia, pelo menos não da forma que me convinha. Eu simplesmente não podia me desconectar.

E naquela noite, nem conseguia fechar os olhos. E nem sonhar.

Naquela tarde tinha obtido o meu mais novo objeto de desejo: um caderno; um lindo caderno de capa cor-de-rosa e de dimensões pequenas (como deveria de ser). Ele poderia passar despercebido pelos olhares alheios e, ainda, ser carregado para todos os lugares. O caderno era perfeito se não fosse por um engano meu: com o que preenchê-lo?

As idéias surgiam a cada piscada. Poderia ser com frases que encontrava pelos livros e não tinha onde anotar, ou, talvez, com coisas que surgiam dentro de mim mesma. E essas idéias em muito me instigavam - mas não me cessariam. Aquele caderno deveria ser mais, algo além da importância que eu o denotaria - além da importância que ele merecia.

Ele deveria ser um segredo.

Engoli em seco, dedilhando o amassado do lençol sob as cobertas. Não estava frio, mas as expectativas de minha mente tornam o ambiente gélido. Sempre era assim quando eu me encontrava naquele estado de aflição. (E se alguém descobrisse que eu me rendi ao caderno? E se meus pais desconfiassem que eu não conseguia dormir porque tinha aquela dúvida cruel impregnada em mim? Por que diabos isso tanto me incomodava?).

Duas e triste e sete; o celular acusava para mim. Eu tinha de dormir, tinha aula no outro, tinha de manter os olhos abertos... mas eu sempre soube que meus olhos nunca ficariam tão abertos como estavam naquela madrugada. Eu precisava preencher aquele caderno com coisas minhas e dele. Algo que nos tornassem íntimos mesmo que ele pudesse ser visível para os olhares das outras pessoas. Mesmo que essa idéia em nada me agradasse.

Aquele caderno era meu!!!

Eu tinha tanta coisa para escrever, tantas coisas para não esquecer. E eram coisas minhas e que ninguém conhecia. Um segredo.

Todos possuem segredos, e eu eventualmente achava que, para um ser só, possuía muitos - e boa partes destes me atormentavam e não me permitiam dormir tranqüila. Bem, isso nunca me incomodou, pois acreditei por algum tempo sem escala que aquilo era uma mescla de sina e maldição - e isso me ascendia como ser humano.

Sempre me orgulhei disso até o dia em que descobri a minha arrogância e prepotência. Duas palavras que meu pai sempre me dizia e que nunca compreendia o significado. Um bloqueio mental de minha parte, pois, se entendesse tão cedo, me derrubaria. E quando eu entendi, eu me vi.

Aquele caderno aprendeu a me ver e a me deixar ver-me mais. Era por isso que não conseguia dormir; eu sabia o que aquele caderno implicaria assim que permitisse escrever os meus segredos, aquilo que eu não tinha idéia se existia ou não. Meus pensamentos.

No entanto, decidi por fazê-lo. Eu não sairia perdendo em nenhum momento exatamente porque tinha noção de como tudo transgrediria. No máximo, eu iria me decepcionar mais uma vez comigo - e descobrir mais uma qualidade corrupta de meu ser.

Resolvi dormir sem me desligar do meu mundo das idéias. Se Platão estiver correto, se as idéias e o que conhecemos realmente forem inerentes a nós, eu encontraria tudo o que precisaria para seguir em frente com o caderno ali. E, quem sabe, tornar-me-ia ébria com o éter de lá.

Uma hora fracassaria.

É, eu deveria ouvir um tango.

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Hoje eu acordei relativamente cedo, li um livro, comprei um novo marcador de texto, jornal, um livro de Sócrates a preço de banana e aluguei um dvd. E hoje à tarde eu devo escrever uma crônica.

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