21 de abril de 2008

Puro Ecstase.

Eles olhavam-se com ínfima curiosidade. Não queria admitir um para o outro que tinham vontade de examinar, com cautela, cada traço de seus rostos. E mutuamente.
Mas continuavam a olharem-se.
Os olhos dele dividiam a atenção com a tela do notebook e os olhos verdes distantes. Tinha de acabar de escrever, tinha de entregar o texto à redação até aquela tarde, no máximo até às seis. Na verdade, tinha de fazer muitas outras tantas coisas e talvez conseguisse caso desistisse de gravar a intensidade exata dos olhos verdes do ser na outra mesa. No entanto, ele não queria dissipar a boa curiosidade e apenas concentrá-la na sua coluna ainda pela metade.
A sensação de ser observado também lhe agradava. Era como ser o ápice da árvore de natal e, ainda, ostentar a maior estrela de todas.
Do outro lado, o jornal já não possuía mais letras e imagens. Era tudo um grande borrão devido à euforia que o invadiu. Ser observado de longe é enervante, quase como tomar dois esctase de uma vez. E o calor dessa curiosidade que nascera em uma tarde qualquer em Paris poderia proporcionar deveria ser exatamente a mesma de dois comprimidos.
Um calor que nasce não se sabe onde mas que atinge todos os cantos. É a boca seca e a louca vontade de aforgar-se em galões de água. E ele julgava que aquele par de olhos cinzas do outro lado possuiam os mesmo efeitos.
Ou até melhor.
Tentava concentrar-se no jornal, afinal, teria de relatar algo de interessante para seus alunos - e não poderia mentir mais uma vez como fizera nos programas de combate a drogas. Esctase era a melhor sensação que alguém poderia ter - e deveria ter! Mas ser politicamente correto diante de outros olhos não permitia que ele dissesse tudo o que pensava e cria.
E aqueles olhos cinzas, relutantes em olhá-lo constantemente, deveria ser o puro esctase. Ou até melhor.
O texto não podia passar das linhas determinadas, mas ele queria escrever tudo muito rápido para averiguar se realmente estava sendo olhado, se era ele o verdadeiro alvo dos olhos verdes. Releu o texto e notara que esqueceu o tema, misturando uma notícia sensacionalista com sua inquietude interna.
E se os olhos verdes não eram o que pensava ser? E se ele não estava o olhando?
Jamais fora tímido, mas estava sendo agora. E não compreendia os motivos - mas algo pulava dentro de si, dizendo que sim, os olhos cinzas eram o mais puro esctase e ele deveria consumi-lo o mais rápido possível para que não fosse degustado por nenhum outro organismo.
E, assim, os dois quebraram a barreira de espaço, ar e sentimentos controversos.
Os dedos correram rápidos pelo teclado do notebook e os olhos passaram a não ver o que na tela se formava.
A cabeça estava inclinada para o jornal, mas os olhos verdes estavam fincados nos cinzas.
Era agora o grande momento. Ele fechou o aparelho e chamou o atendente.
"Excuse moi, Je veux une tasse de thé". O atendente sorriu e logo trouxe a xícara de chá. Educamente, pediu para que levasse uma outra para o rapaz do jornal.
"Oui, monseur".
O chá chegou até ele e, rapidamente, buscou os olhos cinzas do outro. Fez um aceno em agradecimento e sorveu um gole. Do outro lado, houve um sorriso.
Ah!, com certeza ele era melhor que êcstase.

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