Sugestão para ouvir enquanto ler:
15 de dezembro de 2016
Sher Locked
E de tudo o que nós dois poderíamos ter dito e não dissemos, aquele seu olhar todo machucado, avermelhados, com cristais líquidos presos por um nó na garganta, foi o que mais soou alto como sinos catedráticos em dia de natal. Ironia à parte, à festividade, ao que eu não planejei fazer por nós dois, eu sinto muito. A minha inabilidade de não compreender a extensão do comportamento humano me faz enxergá-lo, algumas vezes, fragmentado. Sou muito bom com quebra-cabeças, mas só conheço os diagnósticos e não o sentir. Não sei o que você sente. Sinto o que você me proporciona: a ajuda em planos malucos, a rapidez de sua mão para um tapa na cara - e não leio além disso.
21 de novembro de 2016
Não foi "Adeus"
Pra USP fui selecionado
e para outra cidade você me levou.
Me deu uma abraço com o carro estacionado,
"Filho, agora é com você" e então chorou.
Me inscrevi
sabendo dos 5 anos
e já
imaginando a gente se formando.
Você, na
primeira fileira sentado,
me
aplaudindo e sorrindo por esta fase ter terminado.
No começo,
achei que o
sonho era somente meu,
e com o
tempo,
a cada
retorno para casa tinha aquele abraço,
percebi
que ele era também seu.
Você via em
mim
uma
conquista mútua;
fui seu
projeto de uma vida
e tudo o que
você queria
era
que eu reconhecesse o valor da luta.
Me ensinou a
ser gente,
aprender que
gentileza,
em toda a
sua leveza,
faz
o outro se sentir potente.
O sonho hoje
se concretiza em mim
nesse dia de
roupas bonitas, canudos e discursos.
A saudade de
você cresce com raiz
e em meu
coração há sua Luz
me
lembrando que hoje você está aqui.
O Amor que
nasceu em você
quando para
o mundo eu surgi
não acaba na
ausência física do ser.
Cresce e
expande
em
velocidade crescente
quando vejo
que me tornei gente;
na paz que
no meio da tormenta aparece
e
no choro calado da saudade que se tornou a minha prece.
Hoje tenho
com o meu nome o diploma
que vem
gravado nas entrelinhas
a sorte de
sermos pai e filho nessa vida,
a primeira
escola e até nossa primeira briga.
Carrega seu
nome e o nosso amor
que me fez
chegar exatamente onde estou.
*escrito para tentar ser selecionado como discurso dos Pais Ausentes na colação de grau.
12 de outubro de 2016
10 de outubro de 2016
O Importante Mesmo Era o GRUPO
No ingresso de uma universidade
a única escolha da nossa idade:
o melhor lugar
para sairmos profissionais.
Implícito não estava porém
que junto comigo
haveria outros alguéns
tão diferentes dentro do mesmo artigo.
Formamos um grupo tímido
- estranhos e desconfiados -
com medo de não conseguir um único amigo.
Qual a chance de selecionar 30 pessoas desconhecidas
e encontrar ali pessoas para serem íntimas?
E a convivência chegou
provando que aos poucos se enxertou
as personalidades mais improváveis
dentro das mesmas vontades.
Éramos peças separadas,
incapazes de enxergar
que um dia formaríamos uma imagem aparada
da ida até um pôr-do-sol nessa caminhada.
Brilhamos na improbabilidade.
Entre nós surgiram presidentes de entidades.
Entre nós, algumas aceitaram o peso da nossa representatividade.
E não é que a longa jornada
encontrou a bifurcação dessa conjunta caminhada?
Cada um para uma via
carregando as mudanças
que aconteceram nesses dias.
Vamos à vante, turma x.
a única escolha da nossa idade:
o melhor lugar
para sairmos profissionais.
Implícito não estava porém
que junto comigo
haveria outros alguéns
tão diferentes dentro do mesmo artigo.
Formamos um grupo tímido
- estranhos e desconfiados -
com medo de não conseguir um único amigo.
Qual a chance de selecionar 30 pessoas desconhecidas
e encontrar ali pessoas para serem íntimas?
E a convivência chegou
provando que aos poucos se enxertou
as personalidades mais improváveis
dentro das mesmas vontades.
Éramos peças separadas,
incapazes de enxergar
que um dia formaríamos uma imagem aparada
da ida até um pôr-do-sol nessa caminhada.
Brilhamos na improbabilidade.
Entre nós surgiram presidentes de entidades.
Entre nós, algumas aceitaram o peso da nossa representatividade.
E não é que a longa jornada
encontrou a bifurcação dessa conjunta caminhada?
Cada um para uma via
carregando as mudanças
que aconteceram nesses dias.
Vamos à vante, turma x.
28 de setembro de 2016
Vontade de Ser
De olhos fechados
e boca selada.
Silêncio diante dos achados;
sou hábel na arte de esconder.
Pois sou o lado interessado
na arte de inverter
a vontade de ser.
observação: tcc cansa a mente.
e boca selada.
Silêncio diante dos achados;
sou hábel na arte de esconder.
Pois sou o lado interessado
na arte de inverter
a vontade de ser.
observação: tcc cansa a mente.
22 de setembro de 2016
Ela Vai Voltar
Foi no meio de todo o barulho que a música deveria não ser e somado às tantas conversas conjuntas que deveriam sobreporem-se à música que os fonemas de um nome chegou aos meus ouvidos. Parecia que todos sussurravam os sons daquelas letras juntas e que seus olhos me contavam que algo estava para acontecer.
Você foi embora muito cedo. Você foi a minha paixão platônica aos 9, 10 anos e minha aventura aos 18. Achei que ficaria, que a última noite não seria de fato a última apesar de eu contar isso para todos os meus amigos. Não poderia dar o braço a torcer quanto a realmente estar ficando com a única menina que deixei se aproximar naquela fase em que a gente repele a própria mãe. Mas você se foi. Deu-me o último beijo, a última olhada nos olhos do banco do co-piloto do meu carro e eu não tive inteligência o suficiente para entender que era um adeus.
Bobo como fui, cri cegamente que haveria em breve um novo encontro.
Isso há mais de 10 anos.
Corri para a rua para frouxar o colarinho de uma camisa sem botões abotoados. O modo como todos fofocavam sobre a sua vida me fez acreditar que se materializaria diante dos meus olhos ali naquele segundo. Mas que jeito?
Do mesmo jeito como meu coração bate a menor menção do seu nome.
Faz tempo, entende? Fez muito tempo e eu me sinto aquele garoto que pedalou até a mansão do seu avô para te ajudar a estudar. O suor, a palpitação, o fôlego cortado, os dedos trêmulos. Lembro-me do segurança me julgando pelo chinelo, rosto com suor sujo de pó e a bicicleta velha. Tirou os óculos escuros e me mediu de cima à baixo, comunicou-se com alguém, os portões se abriram e ele mandou eu pedalar, se tivesse coragem.
Eu morria de medo do seu avô.
Foi só em casa que eu descobri que a minha paranoia era verdade: você estava voltando. Celada em uma caixa de tom escuro e com aquele anel de noivado já preso ao dedo. Acidente grave à parte, achei que teria uma última chance de ver seus olhos castanhos e descobrir quais sardas foram aderidas com o tempo.
Quis o acidente de carro na ironia do destino levasse seus pais quando era criança, seu avô na idade adulta e hoje você.
A palpitação é a mesma.
A mesma de quando te vi pela última vez.
Você foi embora muito cedo. Você foi a minha paixão platônica aos 9, 10 anos e minha aventura aos 18. Achei que ficaria, que a última noite não seria de fato a última apesar de eu contar isso para todos os meus amigos. Não poderia dar o braço a torcer quanto a realmente estar ficando com a única menina que deixei se aproximar naquela fase em que a gente repele a própria mãe. Mas você se foi. Deu-me o último beijo, a última olhada nos olhos do banco do co-piloto do meu carro e eu não tive inteligência o suficiente para entender que era um adeus.
Bobo como fui, cri cegamente que haveria em breve um novo encontro.
Isso há mais de 10 anos.
Corri para a rua para frouxar o colarinho de uma camisa sem botões abotoados. O modo como todos fofocavam sobre a sua vida me fez acreditar que se materializaria diante dos meus olhos ali naquele segundo. Mas que jeito?
Do mesmo jeito como meu coração bate a menor menção do seu nome.
Faz tempo, entende? Fez muito tempo e eu me sinto aquele garoto que pedalou até a mansão do seu avô para te ajudar a estudar. O suor, a palpitação, o fôlego cortado, os dedos trêmulos. Lembro-me do segurança me julgando pelo chinelo, rosto com suor sujo de pó e a bicicleta velha. Tirou os óculos escuros e me mediu de cima à baixo, comunicou-se com alguém, os portões se abriram e ele mandou eu pedalar, se tivesse coragem.
Eu morria de medo do seu avô.
Foi só em casa que eu descobri que a minha paranoia era verdade: você estava voltando. Celada em uma caixa de tom escuro e com aquele anel de noivado já preso ao dedo. Acidente grave à parte, achei que teria uma última chance de ver seus olhos castanhos e descobrir quais sardas foram aderidas com o tempo.
Quis o acidente de carro na ironia do destino levasse seus pais quando era criança, seu avô na idade adulta e hoje você.
A palpitação é a mesma.
A mesma de quando te vi pela última vez.
29 de agosto de 2016
Da Série "Como unificar todos os acontecimentos em uma única metáfora"
De tudo o que poderia nos acometer, nunca de fato idealizei o furacão girando conosco no centro. Parece a calmaria e podemos até sobreviver, mas ali do lado, nesse cone gigante e violento, o vento gira com velocidade e força absurdas e capazes de nos estraçalhar. Se a gente levantar e sair do meio do furacão, podemos - e vamos - morrer. O impasse de uma situação fantástica e incrédula o suficiente para rimos histericamente, consumidos pelo desespero, pela prisão, pela morte eminente.
Daqui eu só consigo visualizar duas formas de resolução - e, desculpe, mas nenhuma será indolor. A primeira é o fato de que esse furacão vai andar. Ele vai ter seu percurso feito e não seremos nós quem vamos detê-lo. Teremos, sempre, de acompanhar o ritmo dele e torcer para que esteja a favor do nosso, caso contrário, sentiremos a força de algo que era invisível para nós até então: o ar.
A segunda é que podemos morrer aqui mesmo, no meio. Acho que pode ser por inanição, por desidratação ou até mesmo asfixiamento. Invariavelmente, sofreremos. Invariavelmente, sentiremos.
O percurso natural é o que mais me preocupa e ao mesmo tempo me traz a serenidade porque, veja, não há como ser alterado. Não importa nossos esforços, nossas rezas, nossos medos; vai acontecer independente de nós e isso me conforta porque me tira a responsabilidade e a culpa do que acontecer. Daqui umas horas, daqui um mês, que seja, simplesmente acontecerá e nós podemos estar aqui ou ter encontrado um jeito de sair. Podemos, até, ter sobrevivido e o vento acabado, a tempestade se esmiuçado e a calmaria restabelecida.
Seremos, de alguma maneira, sobreviventes ou história.
Daqui eu só consigo visualizar duas formas de resolução - e, desculpe, mas nenhuma será indolor. A primeira é o fato de que esse furacão vai andar. Ele vai ter seu percurso feito e não seremos nós quem vamos detê-lo. Teremos, sempre, de acompanhar o ritmo dele e torcer para que esteja a favor do nosso, caso contrário, sentiremos a força de algo que era invisível para nós até então: o ar.
A segunda é que podemos morrer aqui mesmo, no meio. Acho que pode ser por inanição, por desidratação ou até mesmo asfixiamento. Invariavelmente, sofreremos. Invariavelmente, sentiremos.
O percurso natural é o que mais me preocupa e ao mesmo tempo me traz a serenidade porque, veja, não há como ser alterado. Não importa nossos esforços, nossas rezas, nossos medos; vai acontecer independente de nós e isso me conforta porque me tira a responsabilidade e a culpa do que acontecer. Daqui umas horas, daqui um mês, que seja, simplesmente acontecerá e nós podemos estar aqui ou ter encontrado um jeito de sair. Podemos, até, ter sobrevivido e o vento acabado, a tempestade se esmiuçado e a calmaria restabelecida.
Seremos, de alguma maneira, sobreviventes ou história.
3 de agosto de 2016
oasis de um velório
Tanta gente apertando minha mão e doando abraços em nome de um sentimento que eu não entendo ou reconheço em mim. As inúmeras coroas de homenagens disputando espaço no cômodo, pessoas querendo se aproximar de mim e da minha família, proliferarem suas palavras de respeito ou hipocrisia acerca do patriarca. Levanta daí, grito em silêncio para o corpo de meu avô. Levanta daí e acaba com essa palhaçada. Minha mão já está vermelha, meus dedos dormentes e meus olhos secos. Se incomoda? Sim, sinto-me incomodado diante do fato nítido de que todos choram - menos eu. Que coisa. Chorei muito quando pequeno imaginando esse dia e reconheço a dor no peito, tão maior e mais aguda do que apenas a ideia de. Minha mãe, de olhos inchados, boca inchada, nariz escorrendo, lenços de papéis na mão, me diz para sair. Esse cheiro de flor está dando dor de cabeça em todo mundo e eu sigo o pequeno fluxo de gente para fora do velório. Seis mortos enfileirados em salas. Rio com a perspectiva. Meto a mão no bolso da calça procurando a carteira. Um suco, uma água, uma pinga. Qualquer coisa que faça minha mente perturbada momentaneamente esquecer um pouco do que está acontecendo nas minhas costas. Quero correr. Mas não vou. Incrível que de todas as pessoas ali - e não sou poucas; meia cidade e outras cidades, parentes que não me são familiares - é você quem está apoiada na minha mente. Que coincidência seria poder, por milagre desse mundo de acasos, te atrair para cá. Mesmo que faça anos que não nos falamos, mesmo que faça anos que não entro furtivamente pela sua janela à noite. Anos de uma adolescência estranha. Só que ao te ver ali, braços cruzados, Ray Ban preto e quadrado, o nó no cabelo, roendo o canto da unha, a ideia da dor começa a se materializar. Você desvia a atenção do dedo para mim e quero acreditar que ostenta o olhar para mim, transmitindo a sua experiência nesse assunto e situação tão desconfortável que parece lascar minha pele com navalha afiada. Como navalha afiada. Ou sem corte? Definitivamente sem corte. Dói mais quando percebo essa comparação. Como. Sou "como": uma comparação diante a tanta dor. É que saudade dói, não é? É que também parece que você tem o antídoto e eu não percebo quando estou abraçado e chorando sobre o seu ombro - e, ainda, não percebo que você está sim me abraçando também. Então percebo que você foi atraída para cá na conspiração da minha vontade por um milagre. A peça não pertencente a esse quebra-cabeça. Ninguém ali dentro pode me proporcionar o conforto porque todos estão inseridos no mesmo contexto e em casa também só vai ter dor e não posso abraçar minha mãe porque sinceramente não quero começar a imaginar e desenhar a ideia de perder meu pai ou ela e não posso abraçar meus irmãos porque nossas dores não são comparáveis e saudade dói. "Não dói" você me diz. "O que dói é a perda mesmo". E é você, de novo, dizendo que o que eu tô sentindo não é válido ou errado. Você pega um graveto e quebra ele e entrega nas minhas mãos. "É assim que é: a ruptura do que a gente é acostumado, mas, depois, se acostuma com o novo. Antes era um graveto e agora são dois". Te mando praputaqueopariu. Não desmoralize meu sentimento, que não sei dar nome, não sei como senti-lo, mas não desfaça esse momento. Você me abraça e conta um segredo: todo sentimento, mesmo que misturado e mesmo que as palavras não correspondam a ele direito, é válido e jamais pode ser desmoralizado.Minha dor é só minha e só faz sentido para mim exatamente porque está sob o meu contexto e ninguém nesse mundo tem o meu contexto, exatamente igual ao meu. Você segura meu rosto entre suas mãos de dedos compridos e unhas mordiscadas e me sorri. Entre tantos, você é quem veio aqui. "Eu tinha que vir, porque eu sabia que você ia precisar de um abraço de fora". E vai embora. E vai embora me deixando aqui entendendo algumas coisas - raciocinando sobre algumas coisas, não necessariamente entendendo e, que droga, já estou pensando como você. Será que se eu escalar de novo sua varanda a gente consegue ficar? E exatamente porque eu estou pensando como você nesse momento que dou risada sozinho. Volto para o cômodo de cheiros nauseantes e coroas com frases sem sentimento imaginando qual será o próximo evento milagroso e conspiratório em que nos daremos às caras novamente.
11 de julho de 2016
Marco Zero de São Paulo
Olho vocês caminharem, maravilhados, entre as pedras que tanto conhecemos. Estão estupefatos pela monstruosidade que a arquitetura se revela aos olhos nus - entendo que sejam virgens da cidade. Entendo a curiosidade que as imagens atiçam e alimentam. Cada detalhe, de cada uma, de cada prédio, de cada concreto que já foi desbravado por nós e a gente nem sabe direito se entende essas informações.
Não sei se vocês também entendem, mas as roupas limpas, os tênis nos pés, cabelos limpos e celulares na mãos me fazem acreditar que vocês devem conhecer cada pedaço dessa terra e cada história.
A História, quero dizer, porque eu conheço a história desse lugar.
A história de cada um que, esquecido por essa cidade, procurou abrigo exatamente onde ela começou. O único lugar que poderíamos ser aceito é exatamente o lugar em que se aceitou todo mundo quando os bandeirantes chegaram. E Sé lembra muito Fé - que possuímos ou nos possui? Conheço o olhar triste de quem não sabe qual é a sua real identidade e por que ainda vive nesse mundo; o olhar esperançoso de uma estendida de mão pedindo um trocado. E daí que é para uma pinga? E daí que é para a comida? E daí que é para uma pedra? Não entendem que é o que nos restou... o que restou de nós?! Quando nem mesmo o fisiológico pode ser atendido, restam apenas os vícios. Uma hora a gente morre e, às vezes, rezamos para que o tempo se encurte - mas existem momentos em que queremos que ele se estenda ao máximo para vermos ao máximo.
Conheço as histórias não de cada pedra ou estátua, mas de cada corpo que circula comigo e dorme ao meu lado e me olha com um pedido de ajuda ou com uma ajuda a ser dada.
Gostaria de que nos olhassem da mesma forma, maravilhados, estupefatos e curiosos, pois somos sombra da história e quase tudo que existe nesse mundo faz sombra.
Estamos existentes, entendem?
Não sei se vocês também entendem, mas as roupas limpas, os tênis nos pés, cabelos limpos e celulares na mãos me fazem acreditar que vocês devem conhecer cada pedaço dessa terra e cada história.
A História, quero dizer, porque eu conheço a história desse lugar.
A história de cada um que, esquecido por essa cidade, procurou abrigo exatamente onde ela começou. O único lugar que poderíamos ser aceito é exatamente o lugar em que se aceitou todo mundo quando os bandeirantes chegaram. E Sé lembra muito Fé - que possuímos ou nos possui? Conheço o olhar triste de quem não sabe qual é a sua real identidade e por que ainda vive nesse mundo; o olhar esperançoso de uma estendida de mão pedindo um trocado. E daí que é para uma pinga? E daí que é para a comida? E daí que é para uma pedra? Não entendem que é o que nos restou... o que restou de nós?! Quando nem mesmo o fisiológico pode ser atendido, restam apenas os vícios. Uma hora a gente morre e, às vezes, rezamos para que o tempo se encurte - mas existem momentos em que queremos que ele se estenda ao máximo para vermos ao máximo.
Conheço as histórias não de cada pedra ou estátua, mas de cada corpo que circula comigo e dorme ao meu lado e me olha com um pedido de ajuda ou com uma ajuda a ser dada.
Gostaria de que nos olhassem da mesma forma, maravilhados, estupefatos e curiosos, pois somos sombra da história e quase tudo que existe nesse mundo faz sombra.
Estamos existentes, entendem?
17 de junho de 2016
Pedido Calado da Escolha
Aos olhos fechados
e boca selada.
Silêncio que paira
em meio aos achados.
Sou dois parceiros
da arte de esconder:
escondo esses lados todos interesseiros
sobre a vontade de ser.
Às Brasas
Desculpe entrar na sua vida justo no único momento em que ela não se encontrava mais. No meio do corredor, atravessando às pressas e sem atenção, enquanto você - ou o que você nos deixou - me cortou a passagem e me fez parar.
Desculpe saber de sua existência quando o contrário se tornou verdade.
Desculpe, Amanda, não ter conhecido um pouco sobre a sua idade, suas vontades e acerca do que te afligia. Mas você, o seu corpo já coberto pelo pano branco, com médicos às pressas de te levarem daqui, me fez parar e respirar: o efêmero desapegar-se-á do material em um piscar de olhos.
Desculpe.
CTI Pediátrica
16 de junho de 2016
29 de abril de 2016
João e Larissa
Poder-se-ia, pois,
na eternidade de um eco
ser o seu nome.
Forte no começo
e ondas a se propagarem.
O som se cala
E ondas continuam.
Somente
seu nome
no silêncio da eternidade.
na eternidade de um eco
ser o seu nome.
Forte no começo
e ondas a se propagarem.
O som se cala
E ondas continuam.
Somente
seu nome
no silêncio da eternidade.
6 de abril de 2016
Lembranças - lágrimas - da Madrugada
Por muito tempo o desejo único era que, diante de circunstância iguais de crescimento, o ser humano também se parecesse. E não é que veio a ser todo ao contrário?
Queria saber quais sãos as memórias que o cercam para entender qual síntese fez sentido dentro de você. O que eu lembro eram das noites dele sentado na minha cama me contando de novo a história do Pequeno Polegar, e só mais uma vez. Lembro das histórias da hora de escovar os dentes e como era difícil pronunciar "micróbio", e que ele me ajudava a alcançar a pia porque nem as pontas dos pés me davam a vantagem de ficar maior que louça.
Ele escovou seus dentes também? Porque ele bem que tentou me ensinar, mas acho que preguiçosa era minha condição desde nova.
Estávamos ambos sentados diante da imensa mesa de madeira, virada para a estante cheia de livros. Livros de nomes difíceis, enciclopédias com imagens curiosas. Primeiro o B, depois o R... como? Érre. Difícil esse daí, hein? Mas aprendi. BRUNA eu escrevi por todos os lugares, inclusive no couro do carro com giz de cera branco. A letra torta de quem acabara de decorar a sequência, mas tentei dizer que não fora eu.
Vai que ele acredita? Não acreditou.
E tinha a tarde no parquinho e ele desenhou um rosto na areia. Desenhou não. Moldou. Queria fazer igual, ter aquela habilidade de poder criar rostos que eu quisesse. E tinha você me contando sobre os moldes das nuvens e, que coisa!, como eles se assemelhavam aos cavaleiros de bronze de Cavaleiros do Zodíaco!
Ele chegava do trabalho e eu tinha que me esconder. Era a hora da judiação - em que vocês vinham ao meu encontro para fazer cócegas (cosquinhas lá em casa), e justo na época em que eu acreditava ser capaz me esconder debaixo do edredom. Azar o meu, sempre fui encontrada.
O que me remete muito à lembrança é o fato de nunca ter compreendido o que ele fazia: sabia que era Física, mas a única física que eu conhecia era a da educação. Logo, meu pai era professor de Educação Física na UNESP (que também não sabia o que era, apenas que era a escola do pai). A quem me perguntava a profissão dele, a resposta era dada na lata - e dono da UNESP.
Ele nos levava para comer lanche naquela lanchonete que hoje é loja de tinta. PIN. Vamos lá no Pin comer. Sim, vamos. Eu confesso que não gostava muito: os bancos fixos ao chão não me permitiam chegar perto do balcão.
Não me lembro de estudos, não me lembro de números. Lembro da enciclopédia Barsa em seus vinte e tantos volumes; da noite em que ele e mamãe me ajudaram a fazer a pesquisa sobre frutos com os volumes Barsa e eu só estava na 2ª série... Dormi sobre as páginas e eles continuaram por mim. Na 2ª série acho que descobri que escrever era bom. Tinha aquela redação sobre como fora meu dia e usei folha de fichário verde com a cara do Mickey estampada - para, no dia seguinte, ouvir da professora que estava incompleto (Poxa! Foi frente e verso!).
Houve brigas. Algumas me machucam até hoje só de lembrar e eu era tão nova naquela em específico. Devo tê-lo magoado também - ele percebeu que a pequena dele era egoísta e materialista aos 9-10 anos.
Outras memórias criadas me atingiram com o passar dos anos. Descobri o leve desespero paterno ao ver a filha escolher filosofia - e sei que outras aflições o enlaçam quando me vê aqui, ainda perdida, insegura e medrosa.
Dela as lembranças são resumidas em sentimentos: colo, carinho, companhia, amor. AMOR. O cuidado diário. A preocupação maternal eterna. Intrínseca. Inata. As mãos dadas até a padaria, e como eu era menor! Tinha que esticar tanto o braço para cingir seus dedos! Os trabalhos escolares e desenhos colados nas paredes do quarto, as caixas de giz de lousa compradas, os lápis de cores, os gizes de cera, gizes de pastéis... cadernos, papéis, glitter, cola, tesoura, borracha, canetas, estojos e brincadeiras.
Ela me deixava brincar a tarde inteira de loja, de supermercado, professora; comprava os bichos de pelúcia para mim e todos eram meus cachorros. Ela cedia o lençol para as minhas cabanas: em cima da minha cama, no meio da cozinha, no canto da sala. Cedia as cadeiras, os prendedores, as toalhas.
Lembro daquela noite em que passei muito mal. Como eu já odiava vomitar a noite toda: e ela acordava, segurava meu cabelo, minha testa e me pedia para fazer força. Arrumava meus cabelos depois, escovava meus dentes e me colocava para dormir junto dela, expulsando papai do lugar dele. A febre aferida. A dor de ouvido curada. A diarreia intermitente.
Ai, como criança é bixenta!
Mas ela sempre estava ali.
Teve uma época em que eu não conseguia dormir à noite: me batia o medo de perdê-los naquela madrugada! E ela vinha até mim, na cama, e me ajudava a dormir. E não é que ainda cabemos na cama de solteiro juntas?
Aonde ela fosse, eu estava junto. Hoje entendo que era a necessidade: ela tinha que me levar junto. Mas eu era a companheira: médico, vó, loja, padaria, supermercado, tia Dete, buscar o Danilo... eu estava lá, esperando para que voltássemos para casa.
Para mim, tudo se convergem em um único ponto: a mão dada.
Você entende a bondade e o amor que ela transborda? Ela é rainha, cuidadora do reino, das pessoas. Rainha dos sentimentos humanos e conhecedora de boas intenções somente. Olhá-la, hoje, me remete a uma única constatação: deveríamos, ambos, ser mais como ela. A rainha dos teimosos (você, eu, papai).
A facilidade da comunicação com ela. Se com ele há os rodeios e o medo, com ela é o contrário: é na lata, é na hora, é da forma que vier - e ela me entende, e quando não, se esforça. Ela presta atenção; faz tanta coisa ao mesmo tempo, mas presta atenção. E presta atenção em mim. Sabe exatamente como sou e eu nunca precisei listar nada. Ela me vê sem o físico, enxerga bem no fundo e muitas vezes nem precisei abrir a boca para ela saber como eu me sentia.
Esse elo eu não sei você entende. Nem eu entendo, mas faz sentido.
Você e eu já a magoamos também. Sem querer, propositalmente, sem jamais perceber.E pedimos milhares de desculpas sinceras em meio a alguns choros.
Dela eu lembro sempre de carinho sincero.
Pois bem, eu só queria entender porque somos tão diferentes. Se o fato de você ser o primogênito é o coeficiente determinante na nossa conta; se a sua sintaxe é de outros elementos. Do que você se lembra? O que foi construído em você?
Queria saber quais sãos as memórias que o cercam para entender qual síntese fez sentido dentro de você. O que eu lembro eram das noites dele sentado na minha cama me contando de novo a história do Pequeno Polegar, e só mais uma vez. Lembro das histórias da hora de escovar os dentes e como era difícil pronunciar "micróbio", e que ele me ajudava a alcançar a pia porque nem as pontas dos pés me davam a vantagem de ficar maior que louça.
Ele escovou seus dentes também? Porque ele bem que tentou me ensinar, mas acho que preguiçosa era minha condição desde nova.
Estávamos ambos sentados diante da imensa mesa de madeira, virada para a estante cheia de livros. Livros de nomes difíceis, enciclopédias com imagens curiosas. Primeiro o B, depois o R... como? Érre. Difícil esse daí, hein? Mas aprendi. BRUNA eu escrevi por todos os lugares, inclusive no couro do carro com giz de cera branco. A letra torta de quem acabara de decorar a sequência, mas tentei dizer que não fora eu.
Vai que ele acredita? Não acreditou.
E tinha a tarde no parquinho e ele desenhou um rosto na areia. Desenhou não. Moldou. Queria fazer igual, ter aquela habilidade de poder criar rostos que eu quisesse. E tinha você me contando sobre os moldes das nuvens e, que coisa!, como eles se assemelhavam aos cavaleiros de bronze de Cavaleiros do Zodíaco!
Ele chegava do trabalho e eu tinha que me esconder. Era a hora da judiação - em que vocês vinham ao meu encontro para fazer cócegas (cosquinhas lá em casa), e justo na época em que eu acreditava ser capaz me esconder debaixo do edredom. Azar o meu, sempre fui encontrada.
O que me remete muito à lembrança é o fato de nunca ter compreendido o que ele fazia: sabia que era Física, mas a única física que eu conhecia era a da educação. Logo, meu pai era professor de Educação Física na UNESP (que também não sabia o que era, apenas que era a escola do pai). A quem me perguntava a profissão dele, a resposta era dada na lata - e dono da UNESP.
Ele nos levava para comer lanche naquela lanchonete que hoje é loja de tinta. PIN. Vamos lá no Pin comer. Sim, vamos. Eu confesso que não gostava muito: os bancos fixos ao chão não me permitiam chegar perto do balcão.
Não me lembro de estudos, não me lembro de números. Lembro da enciclopédia Barsa em seus vinte e tantos volumes; da noite em que ele e mamãe me ajudaram a fazer a pesquisa sobre frutos com os volumes Barsa e eu só estava na 2ª série... Dormi sobre as páginas e eles continuaram por mim. Na 2ª série acho que descobri que escrever era bom. Tinha aquela redação sobre como fora meu dia e usei folha de fichário verde com a cara do Mickey estampada - para, no dia seguinte, ouvir da professora que estava incompleto (Poxa! Foi frente e verso!).
Houve brigas. Algumas me machucam até hoje só de lembrar e eu era tão nova naquela em específico. Devo tê-lo magoado também - ele percebeu que a pequena dele era egoísta e materialista aos 9-10 anos.
Outras memórias criadas me atingiram com o passar dos anos. Descobri o leve desespero paterno ao ver a filha escolher filosofia - e sei que outras aflições o enlaçam quando me vê aqui, ainda perdida, insegura e medrosa.
Dela as lembranças são resumidas em sentimentos: colo, carinho, companhia, amor. AMOR. O cuidado diário. A preocupação maternal eterna. Intrínseca. Inata. As mãos dadas até a padaria, e como eu era menor! Tinha que esticar tanto o braço para cingir seus dedos! Os trabalhos escolares e desenhos colados nas paredes do quarto, as caixas de giz de lousa compradas, os lápis de cores, os gizes de cera, gizes de pastéis... cadernos, papéis, glitter, cola, tesoura, borracha, canetas, estojos e brincadeiras.
Ela me deixava brincar a tarde inteira de loja, de supermercado, professora; comprava os bichos de pelúcia para mim e todos eram meus cachorros. Ela cedia o lençol para as minhas cabanas: em cima da minha cama, no meio da cozinha, no canto da sala. Cedia as cadeiras, os prendedores, as toalhas.
Lembro daquela noite em que passei muito mal. Como eu já odiava vomitar a noite toda: e ela acordava, segurava meu cabelo, minha testa e me pedia para fazer força. Arrumava meus cabelos depois, escovava meus dentes e me colocava para dormir junto dela, expulsando papai do lugar dele. A febre aferida. A dor de ouvido curada. A diarreia intermitente.
Ai, como criança é bixenta!
Mas ela sempre estava ali.
Teve uma época em que eu não conseguia dormir à noite: me batia o medo de perdê-los naquela madrugada! E ela vinha até mim, na cama, e me ajudava a dormir. E não é que ainda cabemos na cama de solteiro juntas?
Aonde ela fosse, eu estava junto. Hoje entendo que era a necessidade: ela tinha que me levar junto. Mas eu era a companheira: médico, vó, loja, padaria, supermercado, tia Dete, buscar o Danilo... eu estava lá, esperando para que voltássemos para casa.
Para mim, tudo se convergem em um único ponto: a mão dada.
Você entende a bondade e o amor que ela transborda? Ela é rainha, cuidadora do reino, das pessoas. Rainha dos sentimentos humanos e conhecedora de boas intenções somente. Olhá-la, hoje, me remete a uma única constatação: deveríamos, ambos, ser mais como ela. A rainha dos teimosos (você, eu, papai).
A facilidade da comunicação com ela. Se com ele há os rodeios e o medo, com ela é o contrário: é na lata, é na hora, é da forma que vier - e ela me entende, e quando não, se esforça. Ela presta atenção; faz tanta coisa ao mesmo tempo, mas presta atenção. E presta atenção em mim. Sabe exatamente como sou e eu nunca precisei listar nada. Ela me vê sem o físico, enxerga bem no fundo e muitas vezes nem precisei abrir a boca para ela saber como eu me sentia.
Esse elo eu não sei você entende. Nem eu entendo, mas faz sentido.
Você e eu já a magoamos também. Sem querer, propositalmente, sem jamais perceber.E pedimos milhares de desculpas sinceras em meio a alguns choros.
Dela eu lembro sempre de carinho sincero.
Pois bem, eu só queria entender porque somos tão diferentes. Se o fato de você ser o primogênito é o coeficiente determinante na nossa conta; se a sua sintaxe é de outros elementos. Do que você se lembra? O que foi construído em você?
31 de março de 2016
Carta 1 - Herança de Super Herói
Minha querida,
se enfim esta carta está em suas mãos é porque algo aconteceu. E se necessariamente esta carta foi escrita e hoje está em suas mãos é porque me conforta seu sentimento de paz com a situação. Algo em seus olhos sempre brilharam diante do fantástico, curioso, misterioso, e posso assegurar-lhe que isto é a máxima desses substantivos, querida, e muito feliz fico em saber que experimentei o que tanto lhe aguçaria a atenção, porque, veja, sempre me encantei em como você nunca escondeu o que lhe interessava - assim mesmo, no antagonismo de "sempre" e "nunca" porque não houve falha na minha ação e nem na sua.
Você e eu, querida, era a magia das premissas verdadeiras. Eram seus olhos me procurando no campo, perguntando, perguntando e levantando hipóteses absurdas e criativas para as razões do mundo. Éramos super heróis de gerações separadas. Você, pequena e aparentemente frágil, chegou para balançar as estruturas masculinas de gerações de homens. Eu, bem... eu nasci muitos anos antes para preparar seu pai na jornada futura de criá-la.
Ele fez um ótimo trabalho - sua mãe e ele, claro, afinal, quais olhos castanhos brilham em você senão os dela, em interesse pelo cuidado do outro? Não nego que a imaginava de olhos azuis, a brilharem e saltitarem pelos campos, pelos corredores, pelas salas, mas vieram castanhos, muito castanhos e sóbrios e atentos para o mundo.
Querida, não houve nada entre a gente. Não há motivos para garantir a existência do que não se explica, mas isso não implica o contrário. Nós éramos nós e isso, com o tempo, me bastava.
Pois bem, minha querida, é exatamente pelo nosso "nós" que pensei muito pouco sobre o que deixaria sob seus cuidados. Foi muito fácil decidir - sempre foi. Escrevi e reescrevi essa carta muitas vezes ao longos desses 25 anos, sempre sabendo exatamente o que destinar a você quando chegasse a hora. A cada descoberta do seu novo interesse, queria proporcionar a melhor experiência e surpresa... porque bem sei eu que você é adoradora de surpresas. Quando pequena, deixaria aquele quadro caótico do meu escritório para você de tanto fascínio que ele te proporcionava. Você se lembra de quando se sentava na minha cadeira, sem altura para atingir os pés no chão ou para ter visibilidade na minha mesa, e falava sobre todos os sentimentos e histórias que vinham em sua mente e coração? Explosão caótica de imaginação, denominei.
E experimentei tal por todos os anos de sua existência comigo.
Hoje deixo outras coisas. O quadro não se encontra mais lá, mas outras coisas nos encontraram. Atingiram-nos. Ao seu encargo, pois, estão os livros. Todos. Exatamente todos os meus livros - incluindo meus diários e cartas que guardei com tanto carinho. As tantas cartas que recebi de sua avó e, alegre-se, as cartas que escrevi a ela (sim, querida, as recuperei após aquela incisiva sessão de perguntas sobre como fora nosso namoro. Você acendeu sentimentos de um jovem de 16 anos em um homem de 67 e eu precisava daquelas cartas).
Esse é meu pequeno tesouro particular e sei que em você a mesma denominação é feita.
Entrego, também, sem medo de qual destino você queira dar depois, as minhas fotos. Mas as fotos são papéis representativos do que verdadeiramente dou a você.
Querida, unicamente a você entrego as minhas lembranças, em forma de fotos, livros, escritas. Confidencio a você todas as lembranças da vida desse homem de 85 anos, e sei como você se sente agora: o fantástico, o curioso e o misterioso.
Agradeço por encontrar na minha partida a paz que sinto.
se enfim esta carta está em suas mãos é porque algo aconteceu. E se necessariamente esta carta foi escrita e hoje está em suas mãos é porque me conforta seu sentimento de paz com a situação. Algo em seus olhos sempre brilharam diante do fantástico, curioso, misterioso, e posso assegurar-lhe que isto é a máxima desses substantivos, querida, e muito feliz fico em saber que experimentei o que tanto lhe aguçaria a atenção, porque, veja, sempre me encantei em como você nunca escondeu o que lhe interessava - assim mesmo, no antagonismo de "sempre" e "nunca" porque não houve falha na minha ação e nem na sua.
Você e eu, querida, era a magia das premissas verdadeiras. Eram seus olhos me procurando no campo, perguntando, perguntando e levantando hipóteses absurdas e criativas para as razões do mundo. Éramos super heróis de gerações separadas. Você, pequena e aparentemente frágil, chegou para balançar as estruturas masculinas de gerações de homens. Eu, bem... eu nasci muitos anos antes para preparar seu pai na jornada futura de criá-la.
Ele fez um ótimo trabalho - sua mãe e ele, claro, afinal, quais olhos castanhos brilham em você senão os dela, em interesse pelo cuidado do outro? Não nego que a imaginava de olhos azuis, a brilharem e saltitarem pelos campos, pelos corredores, pelas salas, mas vieram castanhos, muito castanhos e sóbrios e atentos para o mundo.
Querida, não houve nada entre a gente. Não há motivos para garantir a existência do que não se explica, mas isso não implica o contrário. Nós éramos nós e isso, com o tempo, me bastava.
Pois bem, minha querida, é exatamente pelo nosso "nós" que pensei muito pouco sobre o que deixaria sob seus cuidados. Foi muito fácil decidir - sempre foi. Escrevi e reescrevi essa carta muitas vezes ao longos desses 25 anos, sempre sabendo exatamente o que destinar a você quando chegasse a hora. A cada descoberta do seu novo interesse, queria proporcionar a melhor experiência e surpresa... porque bem sei eu que você é adoradora de surpresas. Quando pequena, deixaria aquele quadro caótico do meu escritório para você de tanto fascínio que ele te proporcionava. Você se lembra de quando se sentava na minha cadeira, sem altura para atingir os pés no chão ou para ter visibilidade na minha mesa, e falava sobre todos os sentimentos e histórias que vinham em sua mente e coração? Explosão caótica de imaginação, denominei.
E experimentei tal por todos os anos de sua existência comigo.
Hoje deixo outras coisas. O quadro não se encontra mais lá, mas outras coisas nos encontraram. Atingiram-nos. Ao seu encargo, pois, estão os livros. Todos. Exatamente todos os meus livros - incluindo meus diários e cartas que guardei com tanto carinho. As tantas cartas que recebi de sua avó e, alegre-se, as cartas que escrevi a ela (sim, querida, as recuperei após aquela incisiva sessão de perguntas sobre como fora nosso namoro. Você acendeu sentimentos de um jovem de 16 anos em um homem de 67 e eu precisava daquelas cartas).
Esse é meu pequeno tesouro particular e sei que em você a mesma denominação é feita.
Entrego, também, sem medo de qual destino você queira dar depois, as minhas fotos. Mas as fotos são papéis representativos do que verdadeiramente dou a você.
Querida, unicamente a você entrego as minhas lembranças, em forma de fotos, livros, escritas. Confidencio a você todas as lembranças da vida desse homem de 85 anos, e sei como você se sente agora: o fantástico, o curioso e o misterioso.
Agradeço por encontrar na minha partida a paz que sinto.
Do Seu,
Vô.
10 de fevereiro de 2016
Parecia mútuo todo ato de estar junto. Parecia que tinha o acordo feito em silêncio e que não seria necessário dizê-lo sob nenhuma hipótese. Agir coerente quando perto e tão mais assim quando longe - longe dos olhos do outro.
Parecia recíproco.
Silenciosamente recíproco.
A tríade do pensar/falar/agir parecia inabalável, parecia verdade. Que o outro jamais trairia em alguma dessas circunstâncias, que o elo era inquebrável. Se um assim era, os outros obrigatoriamente seriam.
E parecia que havia uma outra tríade, um outro acordo. A mão que levaria ao fogo sem pestanejar ou tremer os nervos hoje queima em tudo aquilo que parecia.
Parecia que não, mas nem chegava perto da verdade. Se longe não é igual, qual então é pois a verdade?!
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