31 de março de 2015

Cartas de um Futuro Bom

Sabe, Filho,

essa dor aí uma hora passa, viu?! Vai durar ainda por alguns dias e haverá outros em que você se sentirá estranho porque todos aqueles sentimentos não existirão mais. Uma vaga lembrança. E aí, se você for como eu, vai poder analisar a situação e ter conclusões lógicas e lineares, mas já aviso de antemão que podem demorar alguns anos, como uns 5 ou 8 anos.
Eu sei, é muita coisa, só que outras tantas coisas acontecerão com você nesse período - e tudo bem se você não estiver atento. O que nos é importante sempre brilha mais aos olhos desaguçados.
Filho, hoje você é jovem e assim o será por muito tempo, mas conforme nós caminhamos nessa juventude, vamos aprendendo qual pedra deve ser atirada e quais delas devem ser guardadas. Existe uma natural evolução nesse negócio de ser jovem. Aos 15 somos muito jovens e todos os sentimentos à flor da pele, queremos nos entregar de cabeça em todas as relações - amizade, amor, sexo, família, lazer - e, depois, a gente mergulha em outras - futuro, planos, faculdade, trabalho, dinheiro. E, sim, visamos o encontro com aquela pessoa, aquela única pessoa que nos fará ser exponencialmente melhores do que já somos. Aquele ser unique que nos fará transbordar e nos ensinará a ser cautelosos em nossos riscos. Por que ela vai nos travar? Não. Porque aprendemos a ser prudentes para não ferir o outro.
Não ferir seus sentimentos. Suas expectativas. Sua liberdade.
E isso não é se anular, querido. Isso é perceber a amplitude do Ser. O quão grande somos quando encontramos o par - e se em algum momento o sentido disso tudo acabar, quando você não mais se ver transbordando, apenas tentando chegar no limiar da felicidade, então tudo bem recuar. Tudo bem dizer que não tem mais motivos; você pode mudar a direção sozinho. Sim, às vezes pode ser que o outro saia ferido, mas que sentido há quando não mais dão as mãos porque querem, e sim porque é convencional?
Seja feliz, meu Filho. Aproveite cada etapa, cada caminho, cada escolha. Batalhe, sim! Mas não se permita a infelicidade por uma promessa de que o objetivo será seu auge. Quando atingimos algo, procuramos outros - e se assim somente for a felicidade, então nunca seremos felizes. O ser humano não foi feito para estar satisfeito durante a vida.
Minha satisfação é ver você e seus irmãos crescendo e se realizando, sendo gente com os outros e gentis. Seja gentil, meu Filho.

27 de março de 2015

Da potência de estar com você

Devo dizer que eu odiava a grama, aquele Sol forte na minha cara e aquele monte de bichinho que chegava perto da gente. O pinicar debaixo das minhas costas, as formigas que eram atraídas pela nossa comida e ficar sem sapatos perto de você. Meu cabelo que ficava sujo, minha roupa que ficava cheia de grama, suas costas que ficavam cobertas de lama.
Odiava com todas as forças.
Com toda a leveza dos seus dedos passeando sobre os meus cabelos. Com toda delicadeza do seu respirar debaixo da minha cabeça, com todo o aconchego que você fazia meus olhos se fecharem. Com toda a paz que sua voz me dava, com aquela melodia que a gente cantava, com a sua tácita adimiração em me ver entretida com uma revista que você julgava chata. Com toda atenção que me dava quando eu falava do Francês; com todo calor que me fazia sentir só por me falar, ao pé do ouvido, que eu era demais - por todo o mês.
Com todo o calor que me fazia aquecer mesmo em dias de frio, mesmo em noites quentes, mesmo em tardes amenas.
Devo dizer que te amava com toda a intensidade que você me olhava, com toda a propulsão de correr quando você não mais estivesse ali.
Corri sem nunca olhar para trás.

24 de março de 2015

Sobre o que adiante nunca vai acontecer

A gente se topou meio em tropeços numa tarde já meio fria daquele meio de junho. Em meios há tantos anos já passados. Fiz as contas meio por cima, meio que para saber se você já estava meio que perto daquela idade que outrora eu tivera quando nós dois, ambos, meio que nos gostamos. A sua barba ainda era meio rala e podia ver meia tatuagem sua escapando pelo braço. Seu cabelo estava despenteado inteiramente igual àquele tempo. Meio estranho que você ainda me parece meio com aquele garoto-homem que tanto me pôs no meio dos meus preceitos.
"Tô sem tempo, super atrasada, mas, toma" estendo o cartão "me liga, por favor".
Estranho que você ainda continua meio que ansioso e, sete passos depois, meu celular começa a tocar tanto freneticamente que eu esqueço que tô partindo.
Anos voaram e alguns outros entraram aonde você meio que estava. Onde exatamente você estava enfim? Meus planos, cumpriram-se todos e tenho meu nome em alguns livros, alguns artigos e até escrevo mensalmente em um jornal. Corro de canto à canto para dar conta da agenda, minha casa fica fechada a maioria dos dias da semana, meu gato hoje mora com os meus pais e sinto no olhar dele o ressentimento do abandono. Meu cachorro já não: se abana todo para mim, querendo me lamber, me morder, me pôr debaixo de suas quatro patas quando chego para levá-los para casa.
Não, meu caro, não casei, não namoro, tenho alguns pretendentes. Fechei-me dessa vontade quando te vi me partir e me deixando no meio termo de uma relação que prometemos ser promissora.
Mas tudo bem. Eu meio que sei lidar hoje com toda essa carga sentimental, e às vezes eu meio que lembro de você e meio que imagino em que ponto dos seus planos você deve se encontrar. Achou a garota certa no momento certo? Porque essa garota certa aqui, hoje já mulher, hoje já estabelecida, continua no momento errado no seu time de vida. Não, ainda não sei jogar sinuca, mas me entretenho ainda mais com Sudokus e problemas de lógica. Tenho estudado Física Mecânica para meu próximo livro e hoje já sou faixa preta em jiu-jitsu, além de também pintar, desenhar e rabiscar algumas paredes do apartamento.
Desculpa, mas eu meio que tenho pressa. A vida me pôs a pressa que eu quis tirar de você. Agora vou assim, de aeroporto em aeroporto, de cidade em cidade, meio que tendo uma meia-vida, meio que conseguindo um meio tempo, meio que fingindo que ainda falta alguma coisa.
Bonita a sua tattoo.
Passe bem.

22 de março de 2015

Um segredo.
Guardar tão profundo que ficasse longe da zona atingida das expectativas.
Trancar tão no íntimo que ficasse longe da minha própria influência.
Um segredo em rota de colisão.

20 de março de 2015

Are you okay, Annie?¹

Estive pensando sobre a gente e em como tudo mudou.

A mim não parecia haver mudanças; era como se conseguíssemos, ao longo de todo esse tempo, ir aumentando e afrouxando o cotidiano e a amizade. Como se fôssemos hábeis o suficiente para tornar qualquer eixo de mudança nossa nova zona de conforto.

Só que longos anos se passaram, outras pessoas surgiram e se fizeram tão importante quanto e nossos encontros se tornaram sazonais, às vezes quase que antecipados a um eclipse. Raros acontecimentos da natureza. O eclipse, a gente junto, a gente andando no mesmo compasso da vida.

Em muitos momentos vocês estiveram alguns passos à minha frente e mudaram de direção sem nem ao menos esticarem as mãos para me puxarem. Bobagem a minha pensar em que vocês deveriam me levar junto. Ingenuidade a minha acreditar em que sempre teríamos os mesmo caminhos.

Hoje um ponto a mais se abre e se ilumina diante de mim e entendo, na taxa absurda de compreensão imediata, que nada é assim. Um tempo-espaço-realidade foi então necessário coincidir para que todos nós nos conhecêssemos, rirmos, chorarmos e criarmos a mutualidade tácita da lealdade profunda. Foi necessário apenas um instante na vida de cada um para que ocorresse a improvável colisão de vidas e invariavelmente a aceitação intrínseca para ficar.

Um único instante dentre tantos que acontecem na vida de todo mundo a todo segundo para que a amizade fosse laçado, entrelaçada e atada. Pois, atamos. E só isso. Nada mais é necessário para que ela prossiga. Hoje não precisamos mais de espaço físico rotineiro. Não precisamos mais de dia-a-dia para saber se estamos em mesma instância bem.

O caminho em trilhas separadas gera a diversidade de momentos que nos fazem livres para seguir longe, bem longe, mas ligadas sempre por aquele instante hoje já perdido nos nossos 10 e poucos anos. Lembram da nossa prepotência? Das nossas certezas acerca da Vida, Homem e Liberdade? Álcool, Meninos e Nós Mesmas?! Das nossas metafísicas tão óbvias, certas e retas?!

A Mudança começou aos poucos e fomos nos moldando a cada uma dela. Em alguns momentos eu estive lado a lado, em outros, para trás e hoje em outra direção. Vejam: estou seguindo para aquele lado, ok?



¹ Smooth Criminal, Michael Jackson - ao som de 2cellos.
Photo from weheartit.com

17 de março de 2015

About Hawking

"...era exatamente assim. Você me apertava aos poucos pelos olhos e me consumia num ato só até me minimizar a um único ponto sólido no espaço. Fazia assim sob a chance de sentir o puxão, a gravidade em sua máxima que atrai tudo ao seu redor para um único ponto sólido. Você me diminuía... não em minha personalidade, pensamentos ou coisas parecidas. Não era negativismo. Não era abusivo.
Era físico. A Física. Você e eu entrelaçamos essas nossas metas para que orbitássemos sempre um no outro, um sugando o outro para dentro de si.
Você e eu nos fazíamos, mútuo e silenciosamente, buracos negros".

16 de março de 2015

É uma avalanche.
Você ainda não sabe porque são os pequenos e miúdos flocos de neve que descem pela encosta.
É uma avalanche.
E você não sabe porque não vê o rolar de acontecimento em concordância.
É uma avalanche,
Porque eu vejo grande. Vejo o que tudo isso pode vir a ser.
Tornar-se.
Eu sou a avalanche.

7 de março de 2015

Say Something: I´d have killed both of us.

Preciso contar uma coisa. Uma coisa que eu não deveria contar - nunca.

Você se livrou de uma espiral de coisas profundas e devastadoras. Você se livrou de um karma que sabe Deus por que existe. Você se livrou de uma bagunça danada, de uma bagunça que não tem nem como arrumar.

Uma bagunça obsessiva.

Eu ia te engolir junto, te colocar lá no fundo e te asfixiar. Eu ia arrancar o ar de seus pulmões e então te colocaria na mesma posição - te abandonaria pouco a pouco porque preciso me sufocar sozinha e aquele espaço você já teria tomado.

Eu te livrei de morrer da pior forma - matando seus sentimentos um por um, e distanciando os meus para uma coisa ruim. A autodestruição, obviamente, pertence só a mim - e faria tudo isso para que ela voltasse a ser só minha.

Te livrei de mim.
Assim é melhor; acredite.