Hoje faz pouco mais de 6 meses, pai.
Eu me lembro de que, quando voltei de Dublin, um medo constante me abateu: a certeza de que nossos anos juntos já não poderiam mais ser o suficiente. Queria eu que esse sentimento fosse por causa da dor da perda, da saudade imensa que se instalaria em mim e por causa da orfandade acometida. Mas o motivo foi pautado no egoísmo.
Tive medo de te perder naquela época porque sabia que eu não daria conta sozinha.
O seu respaldo, tanto financeiro como moral, sempre me deu força para não ligar, não precisar aprender, não ter que me importar. Você sempre estaria comigo para me dar o apoio, o abraço, e diria "filha, volta pra casa". Você nunca de fato disse essas palavras, mas você me apaziguava.
Hoje é esse dia em que eu queria ouvir de você que daria conta de tudo. Daria conta de resolver meu imposto de renda, o frete da geladeira para São Carlos, que ajudaria o moço a levá-la para o apto, que eu posso guardar todo e qualquer dinheiro que ganhar. Que eu posso ficar debaixo da sua asa mais uns anos, que eu vou pra Itália e vai dar tudo certo, que eu devo focar nos meus estudos e somente neles, que eu não preciso ter essas preocupações.
Eu não quero ser adulta, pai.
Não quero não ter mais dinheiro.
Não quero mais lutar por algo que eu não vejo.
Eu tô com medo constantemente e não posso mais me enfiar no seu colo, desabafar em tom de raiva que meu futuro é ruim.
Talvez se você tivesse ido mais precocemente ainda, eu até poderia ficar com raiva de você por ter nos deixado. E que pensamento imaturo esse o meu; mas às vezes é o que penso. Só que no hoje, com essa vida, com as minhas experiências, ainda bem que não tenho raiva da sua morte. Ela, por si só, já foi horrível o suficiente -- não há motivos para colocar mais coisa negativa atrelada ao fato. E eu sinto saudades de você, no plural, todo santo dia.
Queria que você tivesse me visto no meu primeiro dia de emprego contratada de verdade, e não só nos bicos malucos de escrever artigos e dar uma ou duas aulas de inglês. Queria que você tivesse assistido eu acordar todos esses dias às 5:30 da manhã para ir trabalhar, reclamar dos meus alunos enquanto, contraditoriamente, adoro estar com eles. Foi só isso que eu consegui fazer depois que você se foi.
Mas nem a mãe e nem o Ié podem me acalentar como você fazia. Você me dava a segurança do lar seguro, da vida segura, da dúvida segura. Eu podia duvidar o quanto quisesse porque você estava aqui, sabe? Eu podia postergar o quanto conseguisse porque você ainda estava segurando a minha mão.
E eu te amo. Muito. Quero poder vê-lo sempre, em sonhos, pensamentos, Amor.