26 de novembro de 2014

Doutor,
não vim aqui para fazer a triagem. Minha fisiologia anda bem, obrigada, então não é ela que me dói. Estou dando murro em ponta de faca e não enxergo os cortes. Estaria eu cega e me vejo do jeito que quero e não do jeito que sou? Dói cada vez, sabe, em que ando, respiro, visto e saio. Dói levantar. É, acho que é bem aí, nessa região do espelho em que você apontou.
Dá para fazer parar de doer?
Não sei qual o motivo disso tudo doer, nunca foi uma dor tão aguda como é agora, sabe? Ou seria já crônica? Acima de 40 dias já pode ser considerado crônico, não é? Então é; já é crônico. Se o senhor não cortar ou me der uma droga, eu vou cortar, entende? De uma maneira, ou de outra.
Acho que o senhor está pensando coisas erradas: não é uma tendência suicida. Não precisa alarmar a ala da psiquiatria. Na verdade, muito pelo contrário.
É tendência homicida.
Então... o senhor vai fazer parar de doer? Porque, cada dia mais, as facas estão ficando cada vez mais afiadas, Doutor. E dói, como dói, olhar o espelho através dos olhos e línguas dos outros. É fisiológico, eu acho.